domingo, 7 de julho de 2013

Razão e Deus 2

Deus criando os animais, afresco de Vittskövle Church.


Texto produzido em parceria com meu pai.


Crer em seres sobrenaturais implica dar objetividade ao nosso imaginário atribuindo-lhes a mesma correspondência com o mundo natural que tem as imagens que captamos do mundo, às quais a cada uma corresponde uma realidade, um objeto, diferindo daquelas que elaboramos na imaginação, a menos  que venham de alguma forma testificar de que correspondem a algum objeto real, ainda que fora do alcance sensorial. A crença em seres sobrenaturais só se sustenta racionalmente através dessa correspondência com o mundo real. Vamos agora ver a que classe de seres pertencem eles necessariamente.
À imagem de uma lâmpada corresponde esta ou aquela lâmpada; duma caneta, uma certa caneta; de um cavalo, um tal cavalo. A nossa inteligência percebe logo que os objetos do mundo real são agrupados por classes e categorias de modo que guardamos a imagem da lâmpada no que todas as lâmpadas tem de essencial, qual seja a função de iluminar, independente das formas, deste que não lhes prejudiquem a função. O lápis também é representado em nós por uma imagem que corresponda a todos os lápis imagináveis, há em todos os lápis uma essência, uma razão de ser, qual seja, a de escrever ou desenhar. Dos animais, um que nos é muito familiar é o cachorro, do qual conhecemos numerosas raças, cada uma caracterizando cães em formatos e tamanhos diferentes, todavia reconhecíveis de pronto, como tais, ainda que não lhes reconheçamos a raça. Isto se dá porque a imagem que guardamos do cachorro, é aquela, de suas características essenciais, comuns a todas as raças. Por mais variados que os cachorros sejam, há neles algo que nos faz identificá-los por trás das diversas formas que possam apresentar, à esta semelhança por trás das aparências, chamamos essência, objeto este, imaterial, que todavia tem ação sobre a matéria à partir do que ganha objetividade e se torna objeto de cognição.
Os cães e os gatos ainda que distinguíveis uns dos outros, tem algo em comum, algo que de certa forma os torna semelhantes, são ambos, mamíferos e neles se denota características comuns a todos os demais mamíferos, incluindo o ser humano. Esta semelhança mais encoberta pelas variadíssimas formas de toda classe dos mamíferos advém de uma essência na base daquela que faz deles serem caninos ou felinos.  Para ser um gato ou ser um cachorro é preciso antes, ser um mamífero e para tal é preciso antes ser um animal, e na seqüência, é preciso antes, ser um ser vivente, classe esta abrangente a todas as formas de vida vegetais, animais, incluindo o ser humano, os quais, embora apresentem as mais variadas formas de vida, tem dentro de si algo que os une numa mesma classe- a vida- da qual todos participam igualmente. Ainda que haja formas mais evoluídas/complexas de vida, o principio vital que anima a todas estas formas.é o mesmo. Neste sentido, não há distinção entre uma ameba, um inseto, uma baleia e um ser humano, todos vivem, sendo a distinção tão somente em suas formas de vida.
Temos agora uma primeira pista: Estes seres pertencem à classe de seres viventes, da qual fazemos parte, da qual os vermes e insetos também fazem parte. Ainda que sobremodo evoluídos e privilegiados, são eles tais como nós, seres viventes, por trás de cujas fantásticas formas manifesta a mesma essência que nos anima a nós- a vida.
Prossigamos à busca. À todos os seres viventes, corresponde um certo grau de consciência, qual seja, um certo conhecimento de si perante o mundo sem o que não teriam como sobreviver; consciência que no ser humano  alcançou o grau da razão discursiva que vê o mundo como um sistema ordenado pela causalidade, nada nele havendo incausado, mundo este não apenas perceptível como o é para os demais seres viventes, mas também, inteligível.
À nossa vantagem sobre os animais reside na capacidade de raciocinar, motivo porque a seres superiores a nós, ou seja, seres que vivem em formas mais evoluídas que a nossa, só podemos imaginar ainda mais dotados da inteligência discursiva que nos distingue dos seres inferiores a nós. São eles, seres que igualmente habitam o cosmos- o mundo ordenado da razão, da causalidade. Somente no caos é que pode se dar o incausado, o acaso; no cosmos tudo tem necessariamente uma razão de ser, uma causa.
Mais uma pista: são seres ainda que superiores, igualmente dotados da razão; vivem no mundo racional. Não sabemos se há algum estagio da cognição para além da razão, digamos, um estagio supra-racional da consciência que lhes possamos atribuir. Ainda que haja, não poderá prescindir da razão. Portanto, com as duas pistas que já encontramos, podemos afirmar que são eles seres viventes que compartilham conosco o mesmo principio vital- a vida e são seres, ainda que sobremodo inteligentes, que compartilham conosco a mesma razão- a discursiva.

Vemos assim que as imagens do nosso imaginário encontram a correspondência no mundo natural que lhes é necessária para que ganhem objetividade. Somos nós! Todavia para que a objetividade assim posta se afirme como tal, teremos que descobrir-lhes a ação sobre o mundo real, ou seja, na nossa vida.  

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