domingo, 7 de julho de 2013

ARTIGO XII

JESUS CRISTO E AS MANIFESTAÇÕES POPULARES 
   
 
    Que tipo de messias foi Jesus de Nazaré? 
Qual era sua real posição frente à opressão romana de sua época. 
Como tudo isso se relaciona com as manifestações  populares e com as igrejas brasileiras.

                                                                                                                  José Chadan

Jesus expulsando os vendilhões do templo
Pintura de Rembrandt (1626).

1.  UMA INTRODUÇÃO - JESUS versus CRISTO

ENTRE JESUS E CRISTO: PERSONAGEM HISTÓRICA E FIGURA MÍTICA

Inicio este ensaio distinguindo duas figuras que equivocadamente, se misturam e confundem em uma só - Jesus e Cristo.

Jesus foi a personagem histórica que viveu a dois mil anos atrás na Judeia e cujos dados se encontram em parte nos evangelhos (apócrifos e canônicos) e em parte nos escritos de Flavo Josefo um eminente historiador da época. Não se trata aqui, de verificar a veracidade dos relatos, mas meramente em distinguir estas duas figuras.

Cristo, por sua vez, não é a personagem histórica que viveu e andou entre os judeus  e foi crucificado sob a jurisdição de Pôncio Pilatos. Ao contrário, Cristo é uma palavra que tem origem grega e quer dizer  ungido. Cristo é, portanto, a figura mítica daquele que foi ungido por Deus, a figura do salvador.

Para se ter clara a diferença, note-se que quando os Evangelhos falam de Jesus que curou leprosos ou andou pelas aldeias e etc, esta é a personagem histórica, ao passo que no Evangelho Segundo João onde o autor identifica Cristo com o Verbo de Deus, ou mesmo nas cartas de Paulo, que não narram nenhuma história, mas falam do salvador do mundo como uma das pessoas da Santíssima Trindade, de amor infinito pelos homens e etc, este é o Cristo, o ungido de Deus.

Simplificando: Jesus é a pessoa real que andou neste mundo e Cristo é o salvador que está no Céu a direita de Deus-Pai, intercedendo por nós. Jesus possuía mãos, braços, olhos e barba; Cristo possui amor incondicional, perdão, é a segunda pessoa da Trindade.

Os judeus viam e podiam tocar em Jesus de Nazaré, mas identificá-lo com o Cristo prometido por Deus para salvar a humanidade, ah... daí já são outros quinhentos mil reais.Isto é uma questão de fé e de elaboração teológica.


O MESSIAS/O CRISTO ESPERADO

Na época de Jesus, o povo judeu se encontrava oprimido pelo poder romano. Roma havia, por meio do poder militar, acoplado a Judeia ao seu território. Governando sobre os judeus, sobrecarregando-lhes com pesadas taxas de impostos, delimitando a prática religiosa até ao ponto de não oferer qualquer ameaça ao poderio de Roma.

No entanto, à época de Jesus, os judeus esperavam o messias, o Cristo, o salvador, que segundo eles, profetizara as Escrituras (a Torá dos judeus, que equivalem aos cinco livros do Pentateuco da Bíblia cristã). O salvador, o Cristo, seria parecido com o rei Davi que conseguiu apaziguar as contendas que existiam entre as doze tribos de Israel e transformá-las em um reino unificado.

O salvador, para os judeus da antiguidade, era uma espécie de "segundo rei Davi". Ele acabaria com a opressão romana e restauraria a paz e o reino em Israel.

Por conta desta esperança e deste Cristo tão esperado, houve diversos movimentos messiânicos na antiga Israel.  Haviam os extremistas, como os zelotes, que lutavam contra opressão romana de forma violenta; haviam também os pacifistas como os essênios, que aguardavam a vinda do messias, vivendo uma vida de eremitas.

Um exemplo de uma personagem do movimento extremista dos zelotes foi Barrabás (aquele a quem o povo libertou, crucificando Jesus em seu lugar).

Haviam também, entre estas dua extremidades, os saduceus e os fariseus. Os fariseus eram o grupo de religiosos à que Jesus enfaticamente condenava as práticas, conforme nos informam os quatro Evangelhos, chamando-os de legalistas e hipócritas, e dizendo que até mesmo as prostitutas entrariam no Céu primeiro do que eles.



2. JESUS E AS MANIFESTAÇÕES POPULARES EM SUA ÉPOCA - POVO versus GOVERNO ROMANO

JESUS: UM PACIFISTA OU UM AGITADOR E ANARQUISTA?

E, foi por isso que Judas traiu Jesus, pois tendo se aproximado daquele que acreditava ser o messias, se decepcionou ao perceber que Jesus não era um revolucionário político como os judeus tanto esperavam e nem tampouco, se parecia com os zelotes. Esta foi uma das razões de os judeus em sua grande maioria não terem aceito Jesus como sendo o Cristo, o messias enviado.

Jesus no seu ministério em geral, pregou e praticou o amor, estabeleceu a paz e sempre foi a favor dos oprimidos e marginalizados. Eis o X da questão! Quando se tratava de injustiças contra sua própria pessoa, Jesus aguentava firme, até mesmo de maneira passiva, dando a outra face, porém, quando se tratava de um "irmão" mais pobre, cego, leproso,... ele se irava, indo com truculência (mesmo que verbal) para cima dos opressores - em geral, dos fariseus e dos governantes romanos. Ora, os fariseus eram uma seita religiosa judaica que, para não fazerem parte da população oprimida dos judeus, coadunavam com os governantes romanos, recebendo certos privilégios.

Jesus criticou duramente os fariseus. Inúmeras foram as críticas e as palavras duras proferidas contra os fariseus. Toda vez que um deles tentava lhe colocar em uma "saia justa", Jesus os encurralava com um questionamento sem saída. como por exemplo, quando apresentaram a Jesus uma mulher adultera, tentando colocá-lo contra a parede, entre a lei de Moisés, que manda apedrejar e a graça que ele mesmo apregoava, de perdoar. Ao ser questionado, Jesus não deu uma resposta direta, mas respondeu com outra pergunta: quem não tem pecados que atire a primeira pedra?

E Jesus era assim com os fariseus e governantes romanos, agressivo em palavras. Não deixava passar uma batido. Mas em relação ao povo, era sempre manso e humilde. Compassivo. Até mesmo com os cobradores de impostos, Jesus foi muitas vezes compassivo (judeus que trabalhavam para os romanos, oprimindo seus "irmãos" e penhorando seus bens). Mateus, um dos doze apóstolos, era ele mesmo, um cobrador de impostos.

No fim das contas, a mensagem de Jesus sempre foi uma mensagem de justiça, de amor, de paz e perdão. Mas ele foi, ainda que sem armas, contra o status quo de sua época - os fariseus e o governo de Roma. Tanto assim, que os próprios judeus o consideraram mais ameaçador que Barrabás (líder extremista e violento da seita dos zelotes). Isto é comprovado quando diante de Pilatos, o povo absolve Barrabás e condena Jesus.

Jesus foi um pacificador e apregoador da esperança para os oprimidos e um agitador perigoso que pregava a subversão ao establishment.

Jesus era em parte, um agitador político, mas sua maneira de fazer política era pacífica. Ele apregoava a que os homens instaurassem na Terra o reino dos céus, que é melhor descrito segundo as dez bem-aventuranças do Sermão do Monte.

O sermão do monte (Mt. 5) propõe uma revolução de baixo para cima. Cada homem individual, cumprindo as bem-aventuranças - sendo manso, pacificador, humildes, misericordiosos e etc- contribuiriam para que pouco a pouco, o reino dos céus fosse instaurado aqui entre os homens. E, neste aspecto e somente neste, Jesus teria algo em comum com os anarquistas que também propõem uma revolução de baixo para cima.

Outrossim, o Apocalipse de João diz que no Céu todos os remidos serão reis e sacerdotes (Apoc. 5-10). Rei,  é aquele que governa a cidade, e sacerdote, aquele que ministra a si mesmo. Rei, aquele que liga os homens entre si, sacerdote, aquele que re-liga os homens a Deus. O rei trata de assuntos referentes ao "plano horizontal", o sacerdote trata de assuntos do "plano vertical".

Contudo, se na visão de João o evangelista, todos tratariam de tudo, isto é, assuntos de ordem horizontal e vertical, significa que todos estariam em pé de igualdade, como irmãos. Isto significaria a completa supressão do Estado, semelhante a utopia anarquista.

Note-se que a palavra anarquista é empregada aqui não em sentido vulgar, de baderneiro, mas em sentido político, daqueles que desejam uma sociedade sem Estado, por imaginarem que o Estado é sempre uma instituição e um instrumento de opressão.


JESUS E OS PESADOS IMPOSTOS COBRADOS PELO GOVERNO ROMANO

Todavia, quando um de seus discípulos lhe mostrou uma moeda perguntando-lhe se deveria com ela pagar o imposto ou dar aos pobres, Jesus disse: Daí pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt. 22-21). Desta maneira, rompendo de uma vez por todas com a suposta relação entre Igreja e Estado. A Igreja de Cristo, sua esposa, é um corpo místico separado do mundo. Já o Estado, administra as coisas mundanas e os bens terrenos.


JESUS E OS  VENDILHÕES DO TEMPLO DE JERUSALÉM

Próximo à própria crucificação, Jesus entra em Jerusalém (capital de Israel). Entra montado num burrinho, após o que, dirige-se ao templo (lugar de maior visibilidade na capital). Lá, ele encontra vendilhões e mercadores, vendendo animais e outras coisitas no templo. Então, tomado de fúria, pega um chicote e começa a jogar mesas ao chão, libertar os animais e por todo mundo para correr, dizendo: A minha casa será chamada casa de oração ( Mt.  21, 12-17).

Com isto, condenando de vez, aqueles que fazem uso das instituições e espaços religiosos com fins de lucro e enriquecimento.



3.  CRISTO E O POVO BRASILEIRO

CRISTO E OS MOVIMENTOS MESSIÂNICOS NO BRASIL

Assim como os judeus da época de Jesus esperavam por um messias que os libertasse da opressão romana, os brasileiros por muito tempo, esperaram um messias que os libertasse da opressão dos poderosos.  É sempre assim: em épocas de opressão, o imaginário popular deseja e aguarda um messias que os liberte. 

No caso do Brasil, houve diversas revoltas populares contra a opressão política e emergiram dela, muitos messias políticos, semelhantemente ao que ocorreu no Israel antigo. Lá, os zelotes, aqui, os líderes religiosos e os jagunços do nordeste. Ambos, emergiram de seus cenários históricos, encaixando-se na figura imaginária que o povo esperava de um messias.  Um messias que libertaria o povo brasileiro da opressão do governo -  um messias político. Exatamente o oposto do que Jesus Cristo se propôs a ser.

Para haver um messias é necessário que o povo passe necessidade e opressão de alguma espécie. Neste contexto, surge no imaginário popular a figura mítica do messias, o ungido, aquele que libertará o povo das injustiças e sofrimentos. Poderiam encaixar-se nos ditos movimentos messiânicos, as revoltas populares ocorridas no Brasil, como por exemplo, a Guerra dos Canudos, Balaiada, Farroupilhas e etc., e os líderes de cada uma delas, como pretensos messias. Em geral, messias políticos, que pretendiam instaurar uma nova ordem política na região, mais justa e igualitária. entretanto, não poucas vezes, estes que se pretendiam messias do povo, pertenciam também a alguma ordem religiosa.

A diferença central entre o messias de Israel e os diversos messias do Brasil, está no fato de que o Cristo queria uma revolução de dentro para fora - uma revolução do coração. Ao passo que os diversos messias brasileiros queriam uma revolução de fora para dentro - uma revolução das estruturas sociais e políticas. O primeiro messias, o Cristo, apontava para o "alto" e para "dentro", já os últimos, os revolucionários do nordeste brasileiro, apontavam para "fora" e para "frente"!


CRISTO, A CORRUPÇÃO E OS PESADOS IMPOSTOS COBRADOS PELO GOVERNO BRASILEIRO

Se Cristo passeasse por alguns dias entre nós, brasileiros, e visse a opressão a que os políticos ininterruptamente nos submetem, com os altos impostos cobrados por todo e qualquer tipo de serviço, sem que os mesmos sejam revertidos para o bem do povo que pagou o devido tributo, o que será que Ele diria?

Clamaria em alto e bom tom: Daí pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt. 22; 21). - e mais - O meu reino não é deste mundo ( Jo. 18-36).

Então, milagrosamente tiraria uma moeda em dinheiro da boca de um peixe ou de alguma janela caindo aos pedaços n'alguma favela, e ordenaria que se pagasse o devido tributo. Buscando por outro lado, formar laços sólidos de amor e fraternidade entre os oprimidos, para que estes sim, se tratassem feito irmãos e repartissem tudo entre todos. De tal maneira, que nada lhes faltasse.

A cada dia, por meio do amor fraterno ensinado por Cristo, os oprimidos contemplariam o milagre da multiplicação. Tendo sua fome e sede saciados, tanto as do corpo, como as da alma e espírito. A primeira fome, suprida com alimento sólido. A segunda fome, supridas com amor e comunhão.

É desta segunda fome, que morrerão todos os governantes que oprimem seu próprio povo. Raça de víboras! - provavelmente assim Cristo diria.


CRISTO E OS "VENDILHÕES" DAS GRANDES IGREJAS DO BRASIL 

E, se Cristo visitasse nossas igrejas, as chamadas casas de oração - tanto as católicas, como as evangélicas - e contemplasse a riqueza que elas acumulam e como utilizam técnicas de marketing para barganhar e iludir suas "ovelhas", o que diria?

Provavelmente chicotearia no meio do templo, colocando as mãos sobre as cabeças dos supostos endemoniados que estão nos altares e ele mesmo os curaria. Jogaria a cesta da oferta para o alto, junto ao solidéu de algum cardeal e exclamaria: Saiam daqui, comerciantes, vendilhões, raposas e ladrões do povo. A casa de meu pai será chamada casa de oração!

Após o que, ele seria expulso dos templos católicos, evangélicos, pentecostais e neo-pentecostais do Brasil, sendo jogado em meio aos mendigos da Praça da Sé ou debaixo do minhocão. Ali, às traças, para morrer o martírio do nosso século: a fome, o abandono e o frio.


4. CRUZ ROMANA E CRUZ BRASILEIRA: quem são os discípulos de Cristo?

Finalmente, Jesus - não o Cristo, lembre-se a diferença - seria no Brasil, crucificado. Sim! Nós o crucificaríamos

Ser crucificado para um romano na época de Jesus, significava que aquele sujeito era considerado como a escória da sociedade, alguém que não tinha valor algum e precisava ser banido da vida social. Na cruz eram pregados salteadores, homicidas e gente subversiva que ameaçava o governo romano. Em geral, eles morriam uma morte lenta e cheia de agonia. Nem mesmo direito a um funeral digno tais pessoas tinham.

Jesus, foi considerado um desses escórias que precisavam ser expurgados do convívio social. Porém, quando lemos a narrativa bíblica sobre a morte de Jesus, é comum pensarmos: Se eu tivesse vivido naquela época, jamais teria me unido aos fariseus (judeus da alta estirpe religiosa) ou aos zombeteiros que pregaram Jesus na cruz. 

Contudo, somos nós, os que desviamos nossos rostos das pessoas honestas, das pessoas que apontam para as injustiças cometidas todos os dias em nosso país, somos negligentes com nossos velhos e com nossos órfãos. É comum enxergarmos neles a sujeira da sociedade, por isso nos afastamos, com certo nojo. Ou, zombamos. Da mesma forma que fizeram com Jesus no passado, fazemos com aqueles que nós marginalizamos hoje. Jesus foi marginalizado e os pobres de nosso país são marginalizados.

Os marginalizados morrem, uma morte lenta e cheia de agonia. Jesus foi pendurado na cruz e os órfãos do nosso Brasil, são pendurados nas praças, nos "minhocões" e em tantos outros lugares. Consideramo-los malditos e sujos, assim como os que crucificaram Jesus o consideravam.

Toda vez que auxiliarmos um pobre, como disse Jesus " um destes pequeninos", é a Cristo que estamos ajudando, mas, toda vez que maltratarmos ou formos indiferentes a um pobre, é a Cristo que somos indiferentes. Nos Evangelhos, Ele mesmo se identifica com os pobres, pedindo apenas um copo de água fria e garantindo o galardão daquele que não lho negar (Mt 10-42). 

Aquele que socorre o pobre, socorre a Cristo. Aquele que é indiferente ao pobre, está se omitindo, deixando que os poderosos O apregoaem na cruz. O rosto do pobre é o rosto de Cristo, judiado e castigado. Se não fazermos nada, crucificamo-Lo. Sim, repito: nós crucificamos a Cristo todos os dias e cuspimos em seu pobre rosto, judiado por nossas moléstias e maldades.

Jesus era pobre e nós, cá no Brasil, crucificamos os pobres. Marginalizando-os e colocando-os para fora, esquecidos da cidade, assim como os judeus e romanos fizeram com Jesus, no Gólgota ( uma colina fora da cidade).

Portanto, pensemos melhor para onde estamos carregando nossas cruzes. Jesus a carregou para o Gólgota, às margens da cidade (Jo. 19-17). Os pobres de ontem e de hoje a carregam para fora da cidade ou para as pontes e praças esquecidas. E você, amigo? Se estiver indo para o centro, sua cruz é mero simulacro e não existe comunhão nenhuma entre a cruz que você carrega e a cruz de Cristo! Mas, se a estiver carregando para a periferia, para as margens, é mais certo de que esteja imitando o exemplo de Cristo.

Para seguir a Cristo, é preciso abandonar as honrarias humanas e aceitar, humildemente, ser chamado de sujo, escória, não bem-vindo e, de maldito. É preciso ir até as margens, para fora da cidade, distante do centro (das atenções) e unir-se aos pobres. Vendo neles, o pobre rosto do Cristo crucificado. Deixando-se crucificar com Ele, em solidariedade e abnegação.


5.  SUGESTÕES DE LEITURA:

Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida.
Deus o e Estado, de M. Bakunin.
Algum livro de história geral do Brasil.


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Note-se que para diversas passagens bíblicas, coloquei o texto correspondente entre parenteses, embora na maioria das vezes o tenha citado de cabeça. Portanto, não são uma cópia fiel do texto bíblico, mas uma citação feita de memória.
O mesmo ocorre quando menciono alguma revolta popular no Brasil ou qualquer outro mote.












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