segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Fragmentos do TGI de graduação em filosofia


José Chadan

2     BREVE PANORAMA DA HISTÓRIA DO CONCEITO DE INDIVÍDUO

2.1 Idade Antiga

Na história da filosofia, o indivíduo adquire dois sentidos[1]. O primeiro deles, a saber, seria o sentido lógico empregado por Aristóteles e segundo o qual, o indivíduo seria a espécie- resultante da divisão do gênero, e que não pode ser mais dividida, e nem servir de predicado a nenhum outro termo. O segundo, seria o sentido físico, também empregado por Aristóteles, que afirma de que a individualidade depende da matéria, ou melhor dizendo, da matéria enquanto substância indivisível.

2.2 Idade Média[2]

Na Idade Média por sua vez, o indivíduo foi tido como algo que é comum a todos, porém que é uno e singular; particular de cada um. Por exemplo: o nome de Sócrates se refere a este rosto e a este corpo.
São Tomás distingue duas espécies de indivíduos: o indivíduo vago, que é apenas aquele que é numericamente distinguível. Por exemplo: numa sala de aula onde há quarenta alunos, eu sou o de número vinte; e o indivíduo único, que se distingue dos outros pela sua singularidade. Por exemplo: entre tantos moços de vinte e dois anos, eu me chamo José Paulo, tenho tal cor, tal altura, tal jeito de ser e etc. Tomás afirma também de que não é da matéria comum que depende a individualidade, por exemplo, o corpo (já que todos os homens possuem um), mas que é da matéria singular caracterizada por suas dimensões (tal corpo e tal forma).
Duns Scotto acrescentará ao dito de Tomás e dirá que, nem só pela matéria e nem só pela forma a individualidade se define, mas pelo composto das duas, que são a riqueza de suas determinações.
Cabe frisar aqui, as similaridades entre esse tipo de definição do indivíduo, como algo dependente do composto entre matéria e forma, das infindas, ou melhor dizendo, das muitas determinações do indivíduo, com a noção de indivíduo na filosofia moderna, como em Schoppenauer, por exemplo.
Mas a parte as digressões, sigamos o caminho. Falemos agora da corrente agostiniana e de seus pilares acerca do indivíduo. Boaventura diz ser o indivíduo a comunicação entre matéria e forma, não fugindo muito das definições elaboradas por filósofos anteriores a ele. Ockham, que aderiu à corrente nominalista, negara a matéria ou a substância comum, afirmando de que as coisas são indivíduos por si mesmas, pelo simples fato de se diferenciarem das outras. No fundo, Ockham parece dissipar o problema da universalidade, e por conseguinte, da individualidade, pois dissipar a universalidade é consequentemente, dissipar a individualidade, que embora opostas uma à outra, elas não podem existir separadamente. A universalidade não pode existir sem a individualidade e a individualidade não pode existir sem a universalidade. E se eu afirmo, como Ockham, de que a universalidade não existe, isto é, não faz sentido, eu já não posso falar em individualidade; e se ouso falar, estou falando de qualquer coisa, menos de individualidade. Quero frisar com isso de que se a universalidade não faz mais sentido, a individualidade também não o faz.

2.3 Idade Moderna[3]

Leibniz, o filósofo que expôs um novo conceito de substância o qual denominou mônada, a fim de não causar confusão, afirmou ser impossível determinar um indivíduo tomando como ponto de partida os outros indivíduos. O filósofo diz, de que precisamos partir de dentro, ou melhor, do próprio indivíduo, a fim de entendê-lo. Pois as mônadas tem afecções que lhes são próprias. Elas são únicas, se bastam a si mesmas e são, por assim dizer, um mundo à parte. E se há interferência duma mônada na outra, é apenas por causa da ordem ‘vertical’ estabelecida por Deus, o que significa, que uma mônada não interfere de fato na outra, pois Deus, que programou o relógio monadológico, já previa tal ação e tal reação. Visto por esse prisma, as mônadas foram programadas e estão em constante harmonia umas com as outras. Vê-se aqui, pela primeira vez na história da filosofia, o conceito de subjetividade, segundo o qual o homem é ele mesmo, fundamento de seus atos e representações;   autonomia, pois as mônadas se bastam a si mesmas; e independência, sendo cada uma delas um indivíduo e sem conexão direta com nenhuma outra mônada. A filosofia leibniziana, marca o nascimento do individualismo e do sentido ético mesmo, que tal filosofia carrega ( o indivíduo fechado em si mesmo e submisso à sua lei, a fim de harmonizar-se com os demais).
Acontece então, algo na história da filosofia que continuará até a modernidade: O cuidado de si não é mais incompatível com a ordem racional do mundo. Eis o indivíduo, programado à realizar sua essência num mundo igualmente pré-estabelecido e cheio de individualidades pré-estabelecidas. Eis Hegel, levantando sua bandeira, ou melhor, erigindo seu “castelo” (mas falemos dele depois).
A definição leibniziana se assemelha a de Scotto, que ao colocar em questão a relação e composição entre matéria e forma de cada ser, tira de cena [ainda que não totalmente] a universalidade, tornando possível o pensar a individualidade. Eu diria que para Scotto, a singularidade deve ser pensada segundo a particularidade.
Wolf fala que o indivíduo é aquilo que é único e determinado em todos os aspectos. Wolf se assemelha então a Leibniz e a Scotto em sua definição, aliás, a definição de Wolf na verdade, é um desdobramento da definição de Scotto. Tal definição foi adotada pela filosofia moderna; segundo a qual o indivíduo é algo infinitamente determinado.
Contudo, deve-se notar o fato destas soluções serem na realidade, negações do problema do indivíduo. Problema este, que desaparece na filosofia moderna; para a qual, a questão da substância ontológica perde o sentido.
Entra então no cenário filosófico o famoso e ilustre Hegel, a definir todos os conceitos incompletos e arrumar para eles, um lugar no seu imperioso Sistema. Hegel distinguirá o indivíduo universal do indivíduo particular. O primeiro sendo o espírito auto-consciente; a consciência mesma, ou o pensamento, que tendo feito a trajetória desde os pré-socráticos até ele, Hegel, passara pelo processo do conhecimento, ou seja, entre teses, antíteses e sínteses, passara do não-saber ao saber, adquirindo com isso, infinitas determinações- até que um dia culmine no Espírito Absoluto; se é que já não culminou(?). A história do saber, alcançou Hegel (o último dos filósofos) e cessará com ele (ele afirma). E o indivíduo particular, o espírito não acabado, isto é, os fatos históricos que não comportam tudo, mas apenas aspectos do grande Sistema. O espírito não acabado é apenas determinado sob um aspecto, enquanto que o espírito auto-consciente é infinitamente determinado. Imaginem o espírito auto-consciente como um quebra-cabeça inteiro e o espírito não acabado, apenas como parte dele. Hegel se apropria da teoria leibniziana, e une, por assim dizer, indivíduos e uma Razão universal que os guia numa determinada direção; a diferença é que enquanto Leibniz concebia essa Razão como ‘vertical’, Hegel a traz para a imanência, de acordo com a sua lógica triádica.

2.4 Idade Contemporânea[4]

Na filosofia contemporânea, não faz mais sentido falar num indivíduo do tipo aristotélico, ou até hegeliano; ou seja, não faz mais sentido falar em indivíduo no sentido clássico da palavra. Pois o que acontecia na tradição clássica, ou para ser mais específico, em Leibniz e Hegel, é que o indivíduo não era completamente indivíduo; de algum modo, ele dependia do todo, de uma ordem universal, dos outros e assim por diante.
Mesmo Bergson, fala da impossibilidade da individualidade se realizar plenamente. O indivíduo, segundo Bergson, não é plenamente determinado; e sob este enfoque, o Espírito Absoluto do qual nos fala Hegel, é inatingível, e sendo inatingível, não faz sentido falar nele, pois o conceito se torna inútil quando se torna inatingível, inacessível e incompreensível... quis dizer, inacessível.
Por fim, na filosofia contemporânea, o indivíduo é definido segundo a ciência ou o método que o analisa: Na política, é a pessoa; na biologia, é o organismo ou a célula; e etc. O que concluímos além disso, é que, as ciências do espírito, tais como a política, a sociologia, a história, tem um caráter individualizante e as ciências naturais, tais como a biologia e a física, tem um caráter generalizante. E do ponto de vista histórico, o indivíduo é visto distintamente dos indivíduos com os quais estabelece uma relação causal. O indivíduo é visto em sua singularidade e não-repetibilidade, seja esse indivíduo um fato, uma pessoa, uma instituição etc.
  

3.   A VIDA DE SÖREN AAYBE KIERKEGAARD E OS REFLEXOS DESTA EM SUA OBRA[5]

Sören Kierkegaard nasce no dia 5 de maio de 1813 em Copenhague, na Dinamarca. Sétimo filho de Pedersen Kierkegaard, que trabalhara com malharia, mas aos quarenta anos se afastara do comércio. Que nutrira também, interesses por filosofia, religião e teologia. Seus filhos morreram todos, restando-lhe apenas dois: Peter e Sören. Peter tornou-se pastor e depois bispo em 1856; e Sören, apesar do sucesso nos estudos, permaneceu escritor. O pai Pedersen, falecera em 1838.
A filosofia de Sören Kierkegaard, é fruto de toda sua vida; de sua própria existência. Um dia, Sören descobriu (mas ele não relata como) que seu pai (a quem Sören tinha em alta-estima como irrepreensível), pecara gravemente contra Deus. No primeiro ano após a morte de sua primeira mulher, que não lhe dera filhos, Pedersen, casa-se com a criada, que dá luz a filhos dois meses depois. Pode-se supor aí, e friso, supor, um caso de estupro. Por esta descoberta, Sören em 1836 rompe com o pai, deixando de lado os estudos de teologia e se dedicando a literatura à moda estética de seu tempo, assim como se entregando a uma vida de libertinagem.
Porém, Sören, reconcilia-se com o pai, um pouco antes que este morresse e escreve em seu diário: ‘ Ele morreu não para mim, mas por mim, a fim de que, se possível, alguma coisa ainda possa sair de mim’ II, A, (243). Então, ele retorna aos estudos de teologia; o qual conclui em 1840. Defendendo sua tese ‘ O Conceito de Ironia Constantemente Referido a Sócrates’ no dia 29 de setembro de 1841. em seguida, ocorre o fracasso de seu noivado com Regine Olsen; moça dezoito anos mais nova que Kierkegaard; o qual ele conhecera em 1837. Kierkegaard achava impossível manter a relação, pois para ele, num matrimônio não deveria haver segredos. E ele, jamais conseguiria lhe falar sobre o segredo de seu pai e sua vida libertina que tivera outrora.
Após o rompimento do noivado, Kierkegaard vai à Berlim assistir os cursos de Schelling, que discursava sobre a união entre o pensamento e a realidade. O filosofo dinamarquês então, inspirado por essa fonte, buscará uma filosofia que expresse sua experiência pessoal nos diferentes níveis da existência. E buscará romper também os limites antigamente estabelecidos entre filosofia, teologia e literatura.
A produção da obra de Kierkegaard vai de 1843 à 1846. Em 1845, tendo sua obra como acabada, Kierkegaard cogita o pastorado, porém desiste; pois O Corsário (jornal da época) satirizava homens que cumpriam seu dever para com o Estado. Nos anos de 1847 à 1851, publica escritos cristãos e em 1854, artigos contra a igreja luterana dinamarquesa. E no dia 2 de outubro de 1855, Kierkegaard desmaia no meio da rua e é levado para o hospital. Morre em 11 de novembro, sem que os médicos detectem a causa da sua morte.
Kierkegaard, partindo dos seus problemas pessoais (como fora dito anteriormente) questionou-se acerca do que é ser cristão; acerca de como assumir o cristianismo herdado por seu pai; de como superar o noivado fracassado; de como o sofrimento pode ser encarado como um bem, assim como o prega o cristianismo; e tudo isso se resume em: como compreender a existência, ou, como compreender-se na existência. 
E apesar de Sören investigar acerca da existência e de temas concernentes a ela, Sören nunca quis ser chamado filósofo; pois ele se considerava um autor religioso. Há um livro, no qual ele expressa bem sua posição; que é:  Ponto De Vista Explicativo Da Minha Obra Como Escritor. Nele será abordada a questão do indivíduo e como ele a compreendia.
O individuo, tema principal na obra kierkegaardiana e que está presente nela de ponta-a -ponta. O indivíduo é o sujeito capaz de ser moldado; capaz de assumir responsabilidades; capaz de se apropriar duma verdade e viver segundo ela. O indivíduo é o oposto da multidão, da massa. A multidão é um corpo que não possui mãos ou braços, incapaz de assumir responsabilidades ou de se apropriar duma verdade subjetiva. A multidão é a fonte da mentira. Ora, nenhum soldado se atreve a levantar a mão a Caio Mário,- diz Kierkegaard- mas se fossem muitos, o fariam! Se todos agem, é como se ninguém agisse, pois é somente quando um age, que tal se responsabiliza, não podendo se desculpar dizendo: ‘eu não fiz isso, foi ele’. A massa no melhor dos casos, reparte a culpa entre todos os indivíduos de modo a minimizá-la ao máximo.
Dito isto, Sören mostrará que as instituições são formadas pela massa e tal, não tem poder de reflexão. Qual a diferença entre o campo político e religioso? Afirma Sören: é o fato de que, apesar de ambos buscarem a igualdade entre os homens, um o busca no plano material e fracassa e outro o busca no plano espiritual e tem êxito. Pois a igualdade entre os homens deve ser buscada não no seu ser animal, mas no seu ser espiritual, visto que o primeiro difere em muitas coisas uns dos outros e o segundo se nivela em e a todos, na medida de que somos todos pecadores e necessitados do auxílio e do perdão divinos.
            Na busca pela igualdade entre os indivíduos, a qual, diz o filósofo dinamarquês, só é possível no plano religioso, adentrará a questão da Verdade. A Verdade é interior de cada um, e também subjetiva de cada um. A Verdade é a maneira como Eu, indivíduo singular, me aproprio subjetivamente do mundo no qual vivo; é também Cristo vivo nos corações, mas mais propriamente, no meu, e como eu O percebo. A Verdade é tudo o que diz respeito a minha particularidade, interioridade e subjetividade enquanto individuo. As questões à partir daí suscitadas são: como se dá a relação Indivíduo/Verdade ou Indivíduo/Absoluto e se é justo que alguém se deixe morrer pela Verdade.
Sobre todas essas questões trataremos adiante...


5.CONCLUSÃO E SUGESTÕES PARA FUTUROS ESTUDOS

O indivíduo é o conceito fundamental da filosofia kierkegaardiana; a qual, se preocupa em dizer, como  ele, isto é, o Indivíduo, vive, existe, apreende para si uma verdade que dê sentido a sua vida e etc. O indivíduo por assim dizer, perpassa toda obra kierkegaardiana; desde o estágio estético até o religioso; e tais, também perpassam o indivíduo; posto que esses estágios não são de modo algum uma espécie de evolução, uma escada que, logo após tê-la subido, se joga fora. Porém, tais estágios estão sempre presentes na vida do Indivíduo; o qual está ao mesmo tempo no estético, no ético e no religioso. Isto porque, nem um dos estágios é bom ou ruim em si mesmos; eles são bons ou ruins, dependendo da co-relação que o próprio Indivíduo faz deles.[6]
Os arquétipos dos quais Kierkegaard se utiliza, servem muito bem, para demonstrar o que são os estágios; quais podem ser os estilos de vida do Indivíduo que neles está e por fim, qual deve ser ‘a saída’ a fim de que se supere tal estágio. Não que o Indivíduo esteja num estágio especifico (volto a repetir), mas que ele está sim, nos três, contudo, manifesta claramente atitudes de um ou outro estágio; estando nos três ao mesmo tempo, e em um de maneira mais enfática e especifica. Como se o indivíduo ético, por exemplo, vivesse nos três estágios, e no entanto, como o estético foi re-apropriado e o religioso ainda não foi totalmente apropriado, ele vive por assim dizer, uma vida, estético-religiosa-ética. Onde os elementos do estagio estético estão presentes de modo redimido, re-apropriado, digamos, reformulado, e os elementos do religioso também estão presentes, mas de modo não totalmente apropriados; digamos então, de modo postulado ou concebido. E somente o elemento ético predomina, sendo este de fato apropriado e vivido pelo indivíduo.
Considerando o indivíduo mais de perto e o estudo de Kierkegaard sobre este, vemos que no fim das contas o que o Filósofo quer para o indivíduo, independente dele viver mais em um ou outro estágio, é que ele ache um sentido para sua existência. Que ele ache a idéia pela qual ele deseje viver e morrer. Que a partir dela, ele se aproprie subjetivamente do mundo e das coisas e viva! Viva, segundo a idéia que o motiva a viver. Kierkegaard quer vida subjetiva, vida interior, vida que busca a Verdade e, portanto, vida que vale a pena ser vivida.
Embora tenhamos tratado aqui do Indivíduo e dos estágios, alguns conceitos poderiam ter sido abordados neste trabalho; mas que não o foram, devido a falta de tempo e de profundidade no assunto. E o primeiro deles a saber, é o conceito de Massa do qual fala Kierkegaard. A massa que é contraposta ao Indivíduo. Fala-se um pouco dela em Pontos Explicativos Da Minha Obra Como Escritor, e uma das coisas que se diz é que enquanto que o indivíduo assume totalmente a responsabilidade pelos seus atos, posto que foi ele e não outro que o praticou, a massa não o assume. Na massa, ou todos se tornam magicamente inocentes, ou dividem, isto é, repartem a culpa entre si, reduzindo-a, o que também é mágico e absurdo.
À primeira vista, parece que Kierkegaard está falando de massa, assim como de irresponsabilidade e de Indivíduo, assim como de responsabilidade; a massa como portadora da mentira e o Indivíduo, como único portador da Verdade; pela qual ele dá sua própria vida, ou pela qual ele está disposto a viver e morrer; o mote da sua existência, digamos. O conceito de massa se encaixaria então em ‘O Indivíduo e A Sociedade’ (se aqui fosse inserido).
Além do conceito de massa, deveríamos passar ao capitulo ‘O Indivíduo E A Verdade’; no qual, inseriríamos os conceitos de cristicidade, cristandade e cristianismo. Cristicidade, como algo que se refere à existência, à interioridade, a vida cristã. Melhor dizendo, se refere ao apropriar-se subjetivamente do mundo e das coisas e ao encarar a vida de maneira cristã e existencialmente cristã. A cristandade por sua vez, seria o mundo cristão, o povo este ou aquele, que se diz cristão, ou formado por cristãos; a nação cristã; os que partilham a mesma fé em Cristo. Por fim, o cristianismo, sendo a própria religião; o conjunto de dogmas e doutrinas delineadores do modo de pensar e agir cristão.
A impressão que se tem em relação a tais conceitos, é de que a distinção entre eles é fundamental e que Kierkegaard só os diferencia por estar preocupado com um único conceito: o conceito de cristicidade. Ser cristão para Kierkegaard não tem nada haver com pertencer a este ou aquele grupo que se reúne periodicamente neste ou naquele lugar; tampouco haver com o conjunto de doutrinas e à regras de condutas; mas tem haver sim, com a atitude existencial, com o apropriar-se da idéia de ser cristão e a partir disso, viver como cristão. Significa achar uma verdade que seja verdade para mim. Achar a idéia pela qual eu, um indivíduo, deseje viver e morrer.
  

 6     BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BLANC, Charles Le. Kierkegaard. Trad. Appenzeller, Marina. [19--].
GARDINER, Patrick. Kierkegaard. Trad. Vilela, Antônio. São Paulo, 2001.
GOUVÊA, Ricardo Quadros. Paixão Pelo Paradoxo. São Paulo: Ed. Novo Século, 2000.
GOUVÊA, Ricardo Quadros. A Palavra e o Silêncio. São Paulo: Ed. Custom/Alfarrábio, 2002.
KIERKEGAARD, Sören. Desespero- Doença mortal. Trad. Keil, Ana. Portugal [19--].
            KIERKEGAARD, Sören. O Banquete. Trad. Ribeiro, Álvaro. Ed. Guimarães, Lisboa, 1953.
KIERKEGAARD, Sören. O Sumo Sacerdote, O Publicano, A Pecadora. Trad. Levinspuhl, Henri Nicolay, 1964.
            KIERKEGAARD, Sören. Dois Discursos Edificantes de 1843. Trad. Levinspuhl, Henri Nicolay, 1964.
            KIERKEGAARD, Sören. Quatro Discursos Edificantes de 1843. Trad. Levinspuhl, Henri Nicolay, 1964.
            KIERKEGAARD, Sören. O Conceito de Angustia. São Paulo: Hemus, 1968.
KIERKEGAARD, Sören. O Matrimônio. Trad. Konder, Rodolfo. Rio de Janeiro: Ed. Laemmert S.A, 1969.
KIERKEGAARD. Os Pensadores. Abril Cultural, 1979.
KIERKEGAARD, Sören. Ponto De Vista Explicativo Da Minha Obra Como Escritor. Trad. Gama, João. Ed. 70, Lisboa, 1986.
            KIERKEGAARD, S. Aaybe. Either/Or (Part II). Trans Howard & Edna Hong Princeton, NJ: Princeton University Press, 1987
KIERKEGAARD, Sören. Temor e Tremor. Trad. Guimarães, Rio de Janeiro: Torrieri. Ediouro, [199?].
            KIERKEGAARD, Sören. É Preciso Duvidar de tudo. Trad. Sampaio, Sílvia Saviano; Valls, Alvaro. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2003.
            MESNARD, Pierre. Kierkegaard. Trad. Carreira, Rosa. Ed 70, Lisboa, [199-?].
PAULA, Márcio Gimenes de. Socratismo e Cristianismo em Kierkegaard: o escândalo e a loucura. São Paulo, 2001.
REICHMANN, Ernani. Textos Selecionados. Curitiba, [19--].
REICHMANN, Ernani. Unidade e Dispersão de Kierkegaard. Curitiba, 1955.
REICHMAAN, Ernani. A Deshumanização de Kierkegaard. Curitiba, 1955.
REICHMANN, Ernani. Esboço Biográfico de Kierkegaard (1o parte). Curitiba, 1961.
STRATHERN, Paul. Kierkegaard em 90 minutos. Trad. Penchel, Marcus. Rio de Janeiro, 1999.
            VALLS, Álvaro. Entre Sócrates e Cristo. Porto Alegre: Edipurcs, 2000.
VERGOTE, Henri-Bernard. LER KIERKEGAARD, filósofo da cristicidade. Trad. Valls, Álvaro; Silva, Lúcia Sarmeno. Ed Usinos, [19--].
            WEISCHEDEL, Wilhelm. A Escada Dos Fundos Da Filosofia. Trad. Gil, Edson Dognaldo. São Paulo: Ed. Angra, 2001.
                                  







[1] C. f. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 555.
[2] Ibid., p. 555, 556.
[3] C.f. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 556. 
[4] C.f. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 556.
[5] C. f. GARDINER, Patrick. Kierkegaard. Trad. Vilela, Antônio. São Paulo, 2001, p. 9-39.
[6] É oportuno dizer de que, quando o indivíduo passa do estágio estético para o ético, ele não lança fora o estético; antes, o redime, se re-apropriando dele sob uma nova forma. Da mesma maneira, quando ele passa do estágio ético para o religioso, ele não joga fora o ético, mas se re-apropria dele sob uma nova forma. Tais, podem ser exemplificados por indivíduos estético-éticos ou ético-religiosos ou até mesmo, estético-ético-religiosos, mostrando como estes três estágios estão sempre presentes na existência do indivíduo.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

AGORA JÁ NÃO É ASSIM

* Lembranças de um poema perdido.


Quando você era menor, tudo lhe era novo
Seus pés corriam soltos e sua roupa gritava a liberdade
Mas agora já não é assim

Sua fé foi colocada numa rocha
E como âncora, salvou uma alma de morrer
Mas agora já não é assim

Generosamente, auxiliava a todos
Não havia faltas se você estivesse presente
Mas agora já não é assim

Repartia o que possuía entre os pobres
E, mesmo quando ficava de bolsos vazios, todos viam que você era muito rico
Mas agora já não é assim

Amigo, você me deixaria se isso lhe fosse vantajoso?
E, mesmo antes da resposta, você já havia partido
Mas eu nunca vi alguém mudar tanto assim


José Chadan





quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Obras Publicadas


      

Barca Melancólica
Autor: José Chadan
Fonte Editorial
Capa e preparação: Eduardo de Proença
Prefácio: Ricardo Quadros Gouvêa
Ano: 2011

domingo, 22 de setembro de 2013

1º texto da série: Tirando da marginalidade para proteger




CLT & PROSTITUIÇÃO – moralidade, exploração e mercado.


Ilustração de um prostíbulo na Idade Média,
Autor desconhecido.


José Chadan


Um importante pensador que fez parte dos filósofos chamados Contratualistas, afirmou que a primeira propriedade privada que um indivíduo possui, é seu próprio corpo, ou melhor dizendo: é a força gerada por seu corpo para determinado fim ou trabalho.

        Partindo deste pressuposto, se um indivíduo emprega seu esforço em plantar feijão, o resultado deste trabalho será seu. Se outro indivíduo emprega sua força de trabalho em extrair látex da seringueira para fabricar borracha, o resultado de tal trabalho é seu. Em suma, a força que uma pessoa emprega, seu esforço corporal, determina aquilo que lhe pertence. Esta seria uma delimitação natural daquilo que pertence a alguém. Contudo, quando um indivíduo cerca um pedaço de terra e proclama “Isto é meu”, à partir daí, a propriedade passa a não ser mais dividida segundo as leis naturais, mas segundo a usurpação e acumulação (cito de cabeça). 

        Com isto, o filósofo quis chamar a atenção para (i) a propriedade natural que é o corpo e o esforço que cada um é capaz de fazer, a fim de trabalhar e produzir bens e, (ii) a "propriedade artificial", gerada pela usurpação e acumulo, que só são possíveis graças à invenção da moeda.

Não pretendemos entrar em minúcias acerca dessas querelas, apenas frisar que sendo o corpo um instrumento de trabalho, gerador de bens e riquezas, e sendo ele, a primeira propriedade privada de um indivíduo, assim, o corpo da mulher lhe pertence, sendo propriedade privada, única e exclusivamente dela.

Desta maneira, pode a mulher usar o corpo para trabalhar como bem entender e o resultado do trabalho deve tornar até ela. Contudo, às mulheres sempre foi tirado o direito ao trabalho, exceto nos lares. Apenas no século 19, com o advento das tecnologias, máquinas e Revolução Industrial, é que a mulher se viu forçada a ir trabalhar fora de casa. Mais tarde, a mulher conseguiu se emancipar, trabalhando agora, não mais a contragosto e sim, de livre e espontânea vontade, competindo em pé de igualdade com os homens.

O trabalho doméstico, o cuidado do lar, no qual a mulher costumeiramente empregava sua força de trabalho, poucas vezes recebeu o devido reconhecimento. Outrora, a própria mulher era considerada propriedade do marido. Tanto assim, que se o marido batesse nela, não seria mal visto. O trabalho nas fábricas, logo após a Revolução Industrial também não era de todo, reconhecido. Mal remunerado e exploratório. Não bastasse toda exploração e violação da mulher, as que se viam sem outra escolha, entregavam-se desde jovem, à prostituição. Sendo esta, uma das atividades mais antigas para uma mulher sem escolha. Excetuando-se desta situação, alguma eventual cultura e contexto na qual a prática da prostituição não fosse mal vista, acarretando na marginalização da mulher.

Com a regulamentação do trabalho feminino, a CLT e a emancipação da mulher nos anos 60, a mesma, viu-se reconhecida e valorizada. A mulher não é mais tida como propriedade do marido e a lei Maria da Penha tenta fazer valer o direito à dignidade da mesma. Agora, urge que a prostituição seja regulamentada, para que as mulheres que exercem tal atividade tenham direitos como qualquer trabalhador(a). Aposentadoria, carteira assinada, férias remuneradas, etc.

Não se trata aqui, de fazer um discurso feminista ou coisa assim. Trata-se antes, de enxergar a prostituição não com os olhos burgueses e moralistas, de quem a deprecia e na calada da noite, goza seus benesses sem alardear à sociedade, mas sim, de enxergá-la como uma prestação de serviços. Explico: um barbeiro, um professor, um decorador, são prestadores de serviço. Todos estes, serviços reconhecidos e regulamentados pelas leis do Estado. Semelhantemente, a prostituta precisa ser encarada como uma prestadora de serviços cuja função é proporcionar prazer à quem esteja disposto a pagar por ele.

Moralismos e burguesia à parte. Feminismos também à parte. O que não se pode admitir é que a mulher continue a ser explorada, sejam aquelas que sem opção, foram parar na prostituição, sejam aquelas que optaram voluntariamente por isto. A prostituta deveria ser vista como uma prestadora de serviços e as leis trabalhistas precisam contemplá-la. Regulamentando a profissão e incorporando deste modo, a prestação de serviços sexuais ao mercado de trabalho. Regulado pela oferta e procura e por leis trabalhistas. Tirando assim, a prostituição da marginalidade e salvando do destino trágico, tanto mulheres como travestis e afins. Pois estes, vivem à margem da sociedade, enquanto aqueles que utilizam seus serviços, vivem (hipocritamente) bem no seio da sociedade.

E, àqueles que pretenderem refutar nossa tese, apelando para uma argumentação fundada nas Sagradas Escrituras, vale lembrá-los de que em meados da Idade Média, século XIII, período em que a Santa Igreja tinha plenos poderes para legislar e julgar, a prostituição era tida como algo normal. Esta posição foi formulada por Santo Agostinho* e São Tomás**, justificadas pelo princípio da tolerância  cada qual a seu modo (Cf. A Prostituição na Idade Média, cap. VI, p. 78-79, texto e nota 17). Outrossim, a prostituta era respeitada, seja pelos clérigos, seja pelos magistrados, pois todos entendiam que ela possuía uma dupla função social: (i) ser uma válvula de escape para os instintos violentos dos homens que ao invés de cometerem crimes bárbaros, fariam sexo, aliviando a tensão e (ii) proteger o núcleo familiar, evitando escândalos maiores de adultério. 

Por conta desta função social, tida como importante, a prostituta era protegida pelas autoridades religiosas e pelos juízes. Existiam casas de prostituição bem no centro da cidade, perto da catedral e até mesmo o bispo recebia os aluguéis de tal casa. A prostituta, quando já em idade avançada  30 anos  tendo que abandonar a profissão, não passaria necessidade. Geralmente conseguindo um bom casamento com um magistrado ou uma autoridade e em alguns poucos casos, sendo admitidas em um convento. Elas eram também consideradas como auxiliadoras da família, participando de festas e eventos sociais ( Cf. A Prostituição na Idade Média, p. 70). 

Mas, infelizmente, sob o reinado de Luís, a prostituição foi jogada às margens da sociedade e as putas foram excluídas dela, sendo então equiparadas aos judeus e leprosos; cada qual, obrigado a usar um adereço de identificação por sua suposta impureza. Tamanha exclusão perpassou o renascimento e parece, chegou até 2014 (com algumas variações), causando sofrimento à mulheres que apenas queriam ou tinham que trabalhar utilizando o próprio corpo como ferramenta de serviço.

      Não somos à favor da prostituição. Não é isso! Trata-se antes, de tentar, ainda que precariamente, resgatar a humanidade das pessoas que, voluntaria ou involuntariamente, foram parar às margens da sociedade. Trata-se de protege-las de pretensos exploradores e aliciadores; de protege-las da corrupção. Pois, já que o assunto existe, é preciso trata-lo o mais honestamente possível, salvaguardando o mais que puder, a integridade dos envolvidos  sua humanidade.  E uma das maneiras de conseguir isto, é contemplando-as conforme as leis trabalhistas, retirando-as das margens e puxando-as mais para o centro da sociedade, dando a elas, a devida visibilidade. Visibilidade esta, que as protegeria de abusos e agressões.



________________________

* "Mas tire as prostitutas das coisas humanas e tudo se perturbará pela devassidão (...)". (SANTO AGOSTINHO. A Ordem. Trad. Augustinho Belmonte. Col. Patrística; 24. São Paulo: Paulus, 2008. Livro II, IV, 12, p. 209).
**" E, ainda, as prostitutas devem ser consideradas como mercenárias; de facto alugam os seus corpos para práticas torpes mas, porque trabalham com esses seus corpos têm o direito de conservar aquilo que recebem pelo seu trabalho [...]. Mas se deseja a luxúria e vende seu corpo para a satisfazer, então não vende o seu trabalho e, portanto, actua e recebe desonestamente. E, do mesmo modo, se uma prostituta se disfarça para enganar os clientes lascivos fazendo-lhes ver nela uma beleza que não existe, ela peca e não pode conservar legalmente aquilo que ganhou desta forma" (TOMÁS DE AQUINO. Summa Theologica, II, II, 32, co/17; Cf. PILOSU, Mario. A Mulher, a luxúria e a igreja na Idade Média. Trad. Maria Dolores Figueira. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 88). Aqui, São Tomás deixa claro as condições que tornariam legítimo o trabalho da prostituta e que condições o tornariam ilegitimo e fraudulento. É novamente, a igreja institucionalizando e tolerando a prostituição contanto que tal esteja sendo praticada sob determinadas circunstancias e prescrições. 




VER TAMBÉM: 


A Mulher, a luxúria e a igreja na Idade Média, de Mario Pilosu.

A Ordem, de Santo Agostinho. ed. Paulus.

A Prostituição na Idade Média, de Jacques Rossiaud. editora Paz e Terra. 

Cidade de Deus, de Santo Agostinho.

Confissões, de Santo Agostinho.

Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, de J. J. Rousseau.

Suma Teológica, de São Tomás de Aquino. Parte II, questão II, artigo 32, coluna 17.





quinta-feira, 5 de setembro de 2013

APRESENTAÇÃO PARA A DEFESA PÚBLICA


José Chadan

A Nuvem do Não-Saber, obra que escolhi para fazer minha dissertação de mestrado, é uma obra que data de fins do século 14, tendo sido escrita por um autor cuja identidade é desconhecida; não obstante,  os especialistas e comentadores da obra são unanimes em sugerir que ele teria sido um homem religioso. Talvez um padre, um teólogo, ou mesmo um monge da ordem dos cartuxos, mas sem dúvida alguma, um homem religioso que vivenciou a religiosidade tal como esta se apresentava ao mundo no fim do período medieval - na Inglaterra (lugar onde teria vivido o autor).
Acerca do título da obra – A Nuvem do Não-Saber –  é preciso dizer que o termo nuvem, faz referência ao episódio onde Moisés sobe ao monte Sinai para receber as tábuas da lei, sendo coberto por uma grande nuvem durante seis dias. Após o que, Deus lhe aparece do meio da nuvem. O termo não-saber, faz referência a uma importante frase de São Dionísio em sua famosa obra Os Nomes Divinos, que servirá de fundamento para toda a tradição apofática e toda a teologia negativa. Dionísio afirma de que o conhecimento mais divino sobre Deus é o desconhecimento de Deus. O cartuxo por sua vez, afirma que tudo que diz e escreve em A Nuvem do Não-Saber, encontra-se respaldado por esta afirmação de São Dionísio.
            O tema principal da obra, a vida contemplativa e como, por meio dela, a alma se une a Deus. Em A Nuvem do Não-Saber, o monge cartuxo estaria ensinando a um jovem discípulo como abraçar a vida contemplativa. A vida contemplativa se baseia fundamentalmente em uma interpretação do episódio evangélico em que Jesus entra na casa de Marta e Maria. Enquanto Marta se preocupa em preparar uma refeição para servir a Jesus, Maria senta-se tranquilamente para ouvi-lo. Jesus, então, repreende Marta e aprova Maria, dizendo que esta escolheu a melhor parte. Maria tornou-se desde então, aquela que representa a vida contemplativa e Marta, aquela que representa a vida ativa.
A vida contemplativa se caracteriza pelo silêncio, solidão e, nas palavras do cartuxo, por um impulso cego de amor em direção a Deus. Deus este, que não pode ser conhecido pela via racional, tal como pretendiam os escolásticos, mas que só pode ser “conhecido”, pelo completo abandono das faculdades racionais e por um impulso secreto de amor. Sendo assim, o amor é o único elemento capaz de unir a alma a Deus. Ao passo que a vida ativa, se caracteriza pelas sete obras corporais de caridade e misericórdia, aludidas no capítulo oitavo de A Nuvem.
A vida contemplativa, de acordo com toda a tradição medieval, teria três degraus.  Na base, estaria a vida ativa, correspondendo ao primeiro degrau, que se caracteriza em o cristão executar obras de caridade e de misericórdia. No segundo degrau – uma espécie de meio termo entre uma forma de vida e outra –  o cristão medita sobre a paixão do Senhor, sua morte e as doçuras do céu. Finalmente, no terceiro degrau está a própria vida contemplativa, onde o cristão, com um impulso amoroso, alcança comunhão com Deus e perfura, por assim dizer, a espessa nuvem do não-saber.
A vida contemplativa é constituída por três aspectos: a leitura dos textos sagrados, a meditação em tais textos, e a oração breve que penetra os céus, como mostra o autor no capítulo 35 da obra.
Segundo o autor, a vida contemplativa é superior à vida ativa. Tangenciando o mote central da via contemplativa, em que a alma se une a Deus por meio do silêncio, solidão, oração e amor, o autor ensina também sobre o engano da curiosidade, os perigos da inteligência natural, o repúdio pelo saber livresco, a necessidade de esquecer tudo o que há na terra, no céu e debaixo da terra, quando se pretende abraçar o referido trabalho da contemplação.
O monge cartuxo não está sozinho ao defender esta forma peculiar de contemplação e de vida. Antes, ele faz parte de um importante movimento de misticismo que tomou boa parte da Europa nos fins do medievo. Dentre alguns nomes, vale mencionar: Walter Hilton, Juliana de Norwich, Ruysbroeck, dentre outros. Todos estes, defendendo algo semelhante ao que o cartuxo  defendia – a união com Deus por meio não do conhecimento racional, mas unicamente, por meio do amor, - indo contra a excessiva racionalização dos escolásticos que não mais atendiam os anseios e necessidades dos fiéis.  Datam desta época, diversos grupos místico e religiosos de pessoas que pretendiam viver uma vida de silêncio, solidão e união amorosa com Deus
Muito embora, na época em que surgiu o movimento místico em toda Europa, ele tenha sido considerado pela ortodoxia da igreja católica como sendo um movimento herético, é preciso frisar que todo este movimento se respaldou em importantes pensadores cristãos, como Guigo II, São Dionísio, Orígenes, Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa,  dentre outros.
O movimento místico foi por um lado, fruto de crises estruturais internas dentro da própria igreja católica e fruto de um período de guerras, calamidades e pestes; fruto, também, da insatisfação generalizada com a racionalização exagerada dos escolásticos, que não mais satisfazia nem respondia satisfatoriamente ao que os fiéis buscavam. 
Ao final do trabalho dissertativo, busquei mostrar ou pelo menos indicar como os ensinamentos propostos pelo monge cartuxo, teriam algo a dizer a nós, homens e mulheres do século 21. Como as correntes de psicologia interpretaram o fenômeno místico, a diferença entre vida contemplativa no medievo e hoje, a experiência mística como ampliação da consciência e aproximações entre a contemplação cristã e o zen budismo. Tendo consciência, porém, de que a presente dissertação é apenas o começo para uma pesquisa maior, que se levada adiante, duraria anos e anos.
Encerro aqui, esta breve apresentação.

Obrigado!





                        

sábado, 10 de agosto de 2013

APRESENTAÇÃO DO T.G.I.

O INDIVÍDUO EM SÖREN AAYBE KIERKEGAARD

No meu trabalho de conclusão de curso, escolhi dissertar sobre um tema, que durante muito tempo, fora desprezado pela tradição filosófica. A saber, o tema do Indivíduo. Tendo este fato em vista, comecei por fazer um panorama acerca da história. O Indivíduo; deste a Idade Antiga, passando pela Idade Média, e Moderna, até chegar à Idade Contemporânea; e tudo isto, para saber, qual foi a contribuição do Filósofo, no que diz respeito a tal conceito.
O Indivíduo é o conceito principal e fundante da obra kierkegaardiana. E para melhor entendê-lo, retomo aqui, o sentido epstemológico da palavra. A palavra Indivíduo, tomada no seu radical, significa indivisível. Ela pode ter basicamente dois sentidos: O primeiro, lógico; sendo a espécie, que não é divisível por nada. Ou, no sentido físico, sendo a matéria, também, indivisível. Porém, o Indivíduo do qual quero falar, não é nenhum destes; ele é sim, o Indivíduo no sentido existente. Ele é, este ou aquele Indivíduo, com suas maneiras de pensar e de ser, muito próprias, particulares e peculiares. É de tal modo, que apreende subjetivamente o mundo e fenomenologicamente os objetos e as coisas e os outros indivíduos. Ele é um ser fenomênico e suas principais faculdades são: a subjetividade, a interioridade e a verdade. Conceitos estes, que confluem entre si. Sendo a subjetividade e a interioridade, capacidades muito particulares, do Individuo apreender o mundo e as coisas. Tal apreensão é para ele, a verdade.
Mas por que Kierkegaard fundamenta sua filosofia no conceito de Indivíduo? Para responder esta pergunta, devo me reportar ao último dos filósofos da tradição clássica, a saber, Hegel. A filosofia de Hegel é uma filosofia sistemática. Ela abole, por assim dizer, toda e qualquer distinção entre Deus, o mundo e o Indivíduo; tudo fazendo parte do sistema e perfeitamente engajados, de modo a manifestar o Espírito Absoluto.
Em Hegel, a distinção desses três aspectos da realidade, é suprassumida; pois Deus está no mundo, assim como o mundo em Deus, e ambos no Indivíduo. No fim das contas, falar em Indivíduo em Hegel é quase um sofisma, pois para Hegel; o que existe não é o Indivíduo isolado, mas é a somatória dos indivíduos que formam o Estado. Tal, funcionando como uma máquina, como um sistema mesmo; no qual, uma parte (seja ela qual for) tem conexão direta com todas as outras.
Hegel mesmo, chegou perto de deificar o Estado em detrimento do Indivíduo livre. Afirmou de que o Indivíduo tem o dever de se expressar, como se ele não tivesse necessidade de ter vida subjetiva, ou interior, ou algo que guardasse só com ele. Sua vida deveria ser um livro aberto, já que ele não tem nada a esconder e já que ele, o Indivíduo, se manifesta segundo o universal, o geral- segundo as leis e normas do Estado. E isto significa afirmar de que a missão do Individuo reside em exprimir-se constantemente, em livrar-se do seu caráter de Indivíduo para alcançar a generalidade.
Ora,, à esse emaranhado que é o sistema hegeliano, Kierkegaard se insurge. Propondo um novo conceito- o conceito de paradoxo. As tensões dialéticas irredutíveis a uma síntese. As oposições absolutas que não se dissolvem, mas permanecem em tensão dialética. Tais como finito e infinito, liberdade e necessidade, razão e fé, pensamento e existência etc. Seria forçoso tentar sintetizar qualquer um destes termos citados.
Em Kierkegaard, não se trata de absorver a existência num pensamento teórico, e sim de viver concretamente a existência. Não se trata de resolver todas as diferenças entre os indivíduos por meio ou no Espírito Absoluto, e sim de focar as diferenças, advindas da subjetividade de cada um. Não é possível incorporar a existência num sistema, no máximo, é possível incorporar nele, a idéia da existência.  Há um abismo imenso entre o Individuo em sua particularidade e o Espírito Absoluto.
É evidente que a universalidade e a racionalidade tem o seu valor, porém não se pode sacrificar o Indivíduo em prol disto; pois a universalidade se dá no âmbito da intelectualidade e o Individuo, no âmbito da existência. O pensar segundo Kierkegaard, tem então, de harmonizar, intelecto, vontade e ação. Caso contrário, estaria divorciado da existência. E um pensar que não se volta a existência, é um pensar inativo, vazio e sem sentido.
A existência mesma, se dá no movimento e dialeticamente a partir da escolha existencial de cada Individuo. A escolha é de acordo à verdade apreendida subjetivamente por cada um. Logo, a verdade não é uma equação entre ser e pensar, posto que é subjetiva; um compromisso pessoal do Individuo com sua própria existência; é um pensar que se desdobra no agir, ou no ser; ou melhor, é um pensar simultâneo e portanto indissociável ao ser. É como não saber o que faço primeiro quando me levanto e pego um objeto. Eu penso e depois levanto, levanto e depois penso, ou faço os dois simultaneamente? Kierkegaard diria que se faz os dois simultaneamente.
De que adianta conhecer a ordem objetiva das coisas e dos fenômenos, ou o que quer que seja, se isso não mudar a minha vida como Individuo que sou. O que adianta teorizar acerca do Estado ou da Historia, se isso não me ajudar concretamente a modificar e melhorar a minha vida? Se eu não trouxer esse conhecimento para o plano prático e existencial? No fundo o que Kierkegaard diz é que se a filosofia não nos ajuda a viver melhor, se ela não se volta à vida mesma e as escolhas existenciais, ela de nada serve. Portanto, o que é necessário não é conhecer a verdade, ou o sistema, ou isto ou aquilo, mas é ver se tais coisas podem ser introduzidas na existência. E é justamente por esse motivo que não encontramos em Kierkegaard um pensamento sistemático, que nos leve a conclusões lógicas; encontramos contudo,  situações existenciais em termos de opções vivenciais que se referem acerca da categoria fundamental, o Individuo.
O Individuo, visto desta forma, é empurrado para fora de todo e qualquer sistema, pois ele mesmo, é o paradoxo. Nele reside a subjetividade, a interioridade; ele se apropria de maneira muito particular e pessoal, do mundo no qual vive e das relações nas quais está inserido. Nele conflitam eterno e temporal, liberdade e necessidade, razão e fé, pensamento e existência, realidade e verdade, e poderíamos citar aqui, outros tantos exemplos de paradoxalidade. Nenhum sistema teórico sensato o tentaria abarcar visto que o Individuo é ele mesmo, o paradoxo; e portanto, indissolúvel e irredutível a uma síntese.
No fim da minha comunicação, sou obrigado a dizer que Hegel tinha razão. Ele foi o ápice, o ponto culminante da filosofia. Com ele, termina um modo de fazer filosofia e começa outro. Agora, a razão não pode ser absoluta e nem o pensamento, sistemático. A razão é redimida sob uma nova forma. A razão tem limites e o pensamento para que tenha validade, tem de se aplicar à vida de cada Indivíduo. Não basta para o Individuo concreto, conhecer uma verdade objetiva e teórica que serve apenas para contemplação; é necessário que ele se aproprie duma verdade subjetiva que dê sentido a sua existência. É igualmente necessário que ele compreenda quão paradoxal é essa existência e que ele mesmo, está em constante tensão dialética. Puxado para o infinito e o finito, o eterno e o temporal, a necessidade e a liberdade, a fé e a razão, a generalidade e a individualidade. Tensões essas que nunca se aquietam e nem se resolvem.  

José Paulo C. F. Chadan


O CORRETO DEVER DE AMAR


José Chadan

No capitulo II das Obras Do Amor intitulado ‘ Tu Deves Amar’, Kierkegaard discorre sobre o segundo mandamento novo testamentário, que diz: “ tu deves amar o teu próximo como a ti mesmo”.  Contudo, devemos notar de que tal mandamento contém em si uma premissa, a de que todo ser humano ama a si mesmo. Porém, para que possamos amar nosso próximo, precisamos primeiro, amar corretamente a nós mesmos.
            Será que quando o sujeito superocupado gasta seu tempo e sua força ao serviço de empreendimentos passageiros e vãos, buscando ganhar dinheiro como se este fosse o sentido supremo da vida e o maior dos bens, ele está se amando da maneira certa? Será que quando o sujeito leviano se lança nas loucuras do instante, bebendo ou fumando, ou dirigindo seu carro feito doído, como se a vida não valesse nada, ele está se amando corretamente? Ou será que está se amando corretamente o sujeito melancólico que por algum motivo quer se livrar de sua vida?  Ou ainda, será que quando um ser humano traído se entrega ao desespero, ele aprendeu a amar corretamente a si mesmo? Pois qual a culpa dele a não ser o seu próprio desespero?
            Com estes exemplos, percebemos claramente que um sujeito que não se ama corretamente, tão pouco poderá amar seu próximo como a ele mesmo, pois não amar-se corretamente, em última instância, significa, não se amar! Um sujeito que gasta sua vida em empreendimentos para conseguir dinheiro e mais dinheiro, em última instância, não se ama, ama o dinheiro, pois prefere este à própria vida, pois por este é capaz de perder o sono, perder a saúde, perder a paz e perder até mesmo a vida. Um sujeito que vive levianamente, bebendo exageradamente, fumando exageradamente ou dirigindo o carro feito doído, em última instância não se ama, e nem ama a bebida ou o cigarro, ele no fundo não vê sentido na vida e se entregou aos vícios que a longo prazo o levarão à morte, porque no fundo, o que ele quer não é viver, o que ele quer mesmo, é morrer. Um sujeito que quer se suicidar... este eu prefiro poupar de comentar. E por fim, um sujeito que traído, se entrega ao desespero, em última instância não se ama; ele ficou de tal modo preso ao que os outros sentem por ele, que se ninguém o amar, ele não consegue se amar; se ninguém enxergar nele nada de bom, ele não consegue enxergar.
            Chegamos aqui a um ponto: amar ao próximo equivale a amar a si mesmo corretamente. Agora cabe saber quem é o nosso próximo. Na parábola do Bom Samaritano (Lc 10,36), o evangelho deixa claro de que o próximo é justamente, aquele que no sentido literal do termo “está próximo”, não importando se este é levita, sacerdote ou samaritano. Pois se por um lado o levita e o sacerdote estavam mais próximos do homem que fôra ferido pelos salteadores, contudo, não fizeram nada para ajuda-lo, para se fazerem de fato próximos dele; já o samaritano, que por preconceitos estaria distante do ferido, este contudo ajudou-o, se fazendo próximo dele. O próximo então é aquele que está perto, está próximo, é portanto todo e qualquer homem. No entanto, o que parece realmente importar, não é saber quem é o nosso próximo, mas é reconhecer o nosso dever de amar o próximo e assim, nos fazermos próximos do outro. O levita esteve próximo do ferido e não se fez próximo dele, o sacerdote esteve próximo do ferido igualmente, e não se fez próximo dele, entretanto, o samaritano esteve próximo do ferido, e se fez próximo dele.
            Então, quando reconhecemos o nosso dever de amar o próximo, é-nos fácil reconhecer quem é o nosso próximo. E não se trata apenas de reconhecer quem é o nosso próximo, mas de nos fazermos próximos dele, cumprindo assim o nosso dever de amar a todos os que nos estiverem próximos. Em outras palavras, quando Cristo fala de próximo, ele o fala em dois sentidos: próximo no sentido literal, isto é, de estar perto fisicamente, e próximo no sentido ético, para auxiliar, ajudar, e mais propriamente, para amar.  Para reconhecermos o nosso próximo temos de olhá-lo no sentido literal, mas para cumprirmos o nosso dever de amá-lo, temos de olhá-lo  no sentido ético.
            O amor ao próximo se constitui num dever, ou seja, ele independe de predileção ou de inclinação, em outras palavras, ele independe do objeto amado, pois a única coisa da qual ele depende é do dever. Não importa se o amado o amará reciprocamente ou não, ou até mesmo se o odiará, pois o amor permanece inalterado. O amor ao próximo não é ciumento, pois não importa se o amado o amará mais ou menos que outrem, o amor permanece inalterado. O amor ao próximo não se desespera ao ver que o amado dele se afasta, pois ele não busca nada além do próprio amor, nada além do próprio dever.
            Concluímos portanto, que para ser possível o amor ao próximo, é preciso que haja o correto amor de si mesmo, pois amar ao próximo como a si mesmo, equivale a amar a si mesmo corretamente; e de que o amor é um dever, ficando portanto inalterado face ao objeto amado, amando assim incondicionalmente!
           
                                                                                                      

domingo, 28 de julho de 2013

Dedicatória

Rádio em madeira (1936).
Fotografia tirada por Cláudio de Castro
Fonte: Wikipedia





À todos aqueles que de uma forma ou de outra, contribuíram para meu crescimento pessoal e espiritual: Minha família, namorada e amigos, mas principalmente, ao meu irmão Pêpito. Esta dedicatória está sendo feita em frequência mundial - sintonize o cursor do seu mouse em 
Pistos da Razão.

                                                         
          


sexta-feira, 26 de julho de 2013

O pobre crucificado e o pobre de Assis:

O CAMINHO DAS DUAS POBREZAS
                                                        
                                         
A verificação dos estigmas de São Francisco após sua morte (1297-1299). 
Giotto


Jesus foi um judeu pobre, que segundo os evangelhos, nasceu em Belém, um lugar pobre da Judéia. Tendo nascido em pobreza material, ele escolheu por adquirir uma segunda pobreza, a pobreza de espírito - que é a humildade.

Francisco de Assis, foi filho de Pedro Bernardone, um rico comerciante da cidade de Assis, na Itália. Sendo rico, o jovem Francisco renuncia a riqueza do pai, após desilusões com as Cruzadas e com a boêmia dos jovens de seu convívio social e obedece a voz do Senhor que lhe disse: " Francisco, vai e repara minha igreja". Ao fazer isto, ele abraça a primeira pobreza, que é a pobreza material. Para em seguida, abraçar a segunda pobreza, que é a de espírito - a pobreza que consiste em um espírito humilde, uma disposição humilde para com todos.

Humildemente, Jesus se despoja de todas as honrarias deste mundo, se esvaziando para ser pobre e humilde de espírito. Sujeitando-se até mesmo a morte mais humilhante para sua época - a morte de cruz. Na cruz só eram pregados aqueles considerados indesejados para a sociedade (homicidas, ladrões e etc).

Humildemente, Francisco se despoja de todas as honrarias deste mundo, esvaziando-se para ser pobre e humilde de espírito. Pois somente um pobre pode olhar com respeito e admiração Outro pobre. Francisco se esvazia para poder servir o Cristo pobre. Servindo-o em toda criatura que passe alguma sorte de necessidade.

Jesus, carrega a cruz até o Gólgota, para fora dos muros da cidade. Francisco carrega a cruz até os leprosos e moribundos, para fora dos muros da cidade. Os dois aceitam o martírio, a humilhação e a crucificação, por amor a Deus. Este Deus cujo rosto, é o rosto castigado dos pobres.

E, os pobres estão na maioria das vezes, fora dos muros da cidade. Esquecidos e abandonados. Somente alguém que esteja disposto a sofrer as dores do martírio por carregar a cruz, iria até os muros da cidade e comungaria de igual para igual com os esquecidos.

Jesus comungou com um dos ladrões que estava ao seu lado, na cruz. Este, rogou-lhe o perdão por seus pecados e vida desregrada. E foi perdoado. Francisco comungou com os leprosos, sem medo de ser contaminado pela lepra.

A santidade não pode ser contaminada pelo pecado, mas sempre o cura. Peçamos ao Senhor, que nos faça pobres de espírito, humildes e modestos. Que não nos arroguemos ser maior que ninguém. E, para que humildemente, caminhemos para fora dos muros da cidade, socorrendo os esquecidos, aqueles a quem a nossa sociedade capitalista, competitiva e consumista veem crucificando. Aqueles a quem nos acostumamos a julgar como indesejáveis e por isso mesmo, não sentimos remorso de pô-los às margens da cidade para que morram pregados em nossa cruz moderna.

Por eles, escrevo esta carta. Os pobres, órfãos, mendigos da Praça da Sé, velhos em asilos, crianças sem tratamento médico adequado, vítimas das guerras e da AIDS, os dependentes químicos e etc.

Aos pobres de Israel, o pobre crucificado. Aos pobres de Roma, o pobrezinho de Assis. Aos pobres da argentina, o cardeal Bergoglio e, aos pobres do mundo - O rosto pobre de Deus, castigado por nossas maldades, e mesmo assim, compassivo para com todos.

Sigamos as pegadas do Senhor, que ensinou: " Bem-aventurados os pobres..." (Mt. 5; 3) e, façamo-nos pobres como Ele. Primeiro, de pobreza material, abdicando de tudo aquilo que NÃO precisamos efetivamente para viver. Dos luxos e consumismos. Pois, o contrário, é ajuntar bens que a traça rói e o ladrão rouba (Cf. Luc. 12;34). É tirar dos outros e promover a desigualdade social. Segundo, de pobreza espiritual, fazendo-nos humildes e não nos julgando superiores nem mesmo à mais ínfima das criaturas. Pois do contrário, estaríamos ignorando a ordem criada por Deus e de que todas as criaturas tem o seu devido valor. Você, querido amigo, precisa ate mesmo de uma simples mosca, sim, uma pequenina e pobrezinha mosca, pois sem ela, sofreria o desequilíbrio ecossistêmico. Elimine as moscas e veja como fica desequilibrada a vida de todo o ecossistema. Elimine-as e veja como fica sua própria vida.

Finalmente, devemos perceber, como disse Leonardo Boff quando palestrava para as pessoas do Araguaia no filme Anel de Tucum, que a desigualdade social é sim, um problema de ecologia, pois afeta o equilíbrio entre os homens.

Assim, como Jesus e Francisco, sigamos o caminho das duas pobrezas. O da pobreza material e o da pobreza (humildade) espiritual. Façamo-nos um pouco mais pobres, dando algo ao nosso irmão e... quando menos esperarmos, o Reino de amor estará entre nós. Não haverão mais cruzes fora da cidade, nem gente pregada nelas, nem "indesejados", pois todos estarão vivendo a fraternidade cristã na própria cidade e com uma alegria espontânea, tal como as aves  que regorjeiam despreocupados, porque sabem que o Senhor proverá suas necessidades ou como os lírios do campo, aos quais Deus graciosamente veste (Cf. .Mt. 6; 26-29).

Paz e Bem,
José Chadan