Texto produzido em parceria com meu pai.
Um dos principais campos de investigação da filosofia tem sido o do conhecimento e da capacidade humana de conhecer. A especulação intelectual dos filósofos sobre o tema tem oscilado ora para o conhecimento do objeto em si e não do que ele representa para nós, ou seja, o conhecimento objetivo universal e não interpretativo, subjetivo e pessoal; e ora para a reflexão sobre a real capacidade humana de alcançar o pretendido conhecimento objetivo e universal. Enquanto uns, baseando-se na racionalidade como um principio universal presente e manifesto em tudo e em toda parte inclusive em nossa capacidade intelectual de racionalizar as impressões que do objeto percebemos, abstraindo (separando) aquilo que é próprio do objeto daquilo que ele causa em nós, julgaram ser possível ao ser humano alcançar o conhecimento objetivo/universal do objeto em si como tal e não do objeto como aparece para nós; outros consideraram a tarefa inatingível afirmando que o conhecimento humano será sempre interpretativo e cultural e nunca objetivo e universal como pretende a outra corrente. Embora essas duas correntes já existissem, foi Immanuel Kant filosofo alemão do século XVIII, que chamando o objeto em si de numeno e o objeto para nós de fenômeno afirmou ser impossível conhecer o numeno e que o conhecimento humano se limita ao do fenômeno, surgiu daí o nome fenomenologia (conhecimento dos fenômenos) cuja indagação filosófica sobre o conhecimento humano considera possível apenas o do aspecto subjetivo e pessoal.
Essa breve introdução nos
ajudará a prosseguirmos no nosso caminho para entender o conhecimento; falamos
da memória em cujo âmbito se desenvolvem a linguagem e a razão; precisamos
falar agora da percepção.
A percepção
advém sempre da impressão que nos causa o objeto. Quando dizemos que alguma
coisa passou despercebida é porque passou sem deixar impressão alguma em nós;
sabemos que passou por ouvir o relato de quem teve a percepção. A ação
contundente de um objeto, por exemplo, nos causa dor; sensação esta causada
pela impressão que o objeto deixa sobre nosso sistema nervoso; a dor age como
um alarme para que tomemos a atitude que possa rechaçar-lhe a causa. A
dor é uma percepção sensorial e nessa mesma categoria podemos citar o
gozo, bem como a fome, a sede, o tato, o olfato, a audição e a visão. Neste
nível de percepção a primeira atitude que se toma contra a dor é de reação
corporal de reflexo e, caso tal reação, ainda que afastando o objeto não
consiga eliminar a sensação de dor, passamos a reagir a partir de uma outra
instância de percepção,a afetividade, que é o repositório dos sentimentos.
Neste nível de consciência a sensação de dor se transforma em sofrimento que
não é mais sensação e sim sentimento que busca solucionar a questão de outra
que não a do reflexo corporal. A este tipo de consciência chamamos percepção
afetiva, instância em que não basta afastar a dor mas também o sofrimento
que veio com ela. Experimentamos primeiramente a via agressiva através de uma
cadeia de sentimentos passionais como a irritação, o aborrecimento, a raiva, a
ira, a fúria, pondo o nosso intelecto a buscar soluções orientadas para a
reação agressiva. Não logrando, o próprio sofrimento se desdobra em outro
sentimento tal como a tristeza, que é um sentimento que desencadeia uma busca
mais de solução mais intelectual. Permanecendo todavia o impasse virão
sucessivamente os sentimentos de aflição e angustia, aprofundando a cada vez o
nosso envolvimento afetivo e sentimental com a questão, o que exigirá de nosso
intelecto um empenho progressivo levando-nos a atitudes cada vez mais
intelectualizadas e se mesmo assim não lograrmos êxito, corremos o risco de
sucumbir ao desespero que é o ultimo dos sentimentos e prenuncio de um colapso
afetivo. Nesses casos por um sentimento de gênese cultural chamado fé,
costumamos remeter o desenlace da questão ao sobrenatural para nos tirar do
impasse.
Os animais não
participam como nós de uma afetividade tão profusa em sentimentos, sendo
dotados tão somente de sentimentos básicos como o sofrimento/prazer,
tristeza/alegria, medo, raiva entre outros, mas nunca de orgulho, inveja,
magoa, justiça, fé, sagrado que entre tantos lhes escapam por serem altamente
intelectualizados e que somente uma inteligência racional desenvolvida e dotada
de linguagem simbólica pode produzir.
Em todos esses
processos afetivos e sensoriais, a memória atua registrando os objetos
juntamente com as sensações e sentimentos de forma que ao lembrarmo-nos do
objeto venham também a lembrança das sensações e dos sentimentos que dele fizeram
parte. A nossa memória tem a capacidade de registrar o objeto no contexto
afetivo do qual participou, não fosse assim, as lembranças de fatos
corriqueiros teriam o mesmo peso das lembranças de fatos relevantes.
Assim como a
partir das cores básicas uma infinidade de matizes podem ser criadas, também
dos sentimentos básicos como o sofrimento, tristeza, medo, raiva, prazer, e
alegria entre outros, o ser humano por sua capacidade criativa e razão
discursiva cria em sua afetividade uma gama muito rica de sentimentos. Esta é a
capacidade da percepção intelectual, que além de apreender os objetos
reais e ideais, interage com a percepção afetiva criando em nós um mundo nosso
particular e humano; nosso mundo interior, mundo este que como veremos adiante
compete com o mundo real e exterior à adesão de nossa consciência, conferindo à
vida humana a extraordinária amplitude que tem.
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