sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

CARTA AOS NOVOS HUMORISTAS BRASILEIROS

Surpresa é um componente do humor - Retirado da Wikipedia , verbete Humour.



 José Chadan



O humor é a faculdade humana capaz de fazer o homem rir – de si mesmo e dos outros. Mas não é um rir no sentido de zombaria, escárnio ou depreciação. Pode ser mesmo um rir em ver-se ridículo, mas nunca em depreciar-se ou depreciar o outro.
            O bom humor, o humor bem feito e de boa qualidade, caracteriza-se sobretudo pela catarse, que compreendida por Aristóteles e por toda a dramaturgia grega, seguia um duplo movimento: (i) rir de si, perceber o quão ridículo somos em determinados momentos e, (ii) ao rir-se, libertar-se e purificar-se de uma certa fixação em parecermos desta ou daquela forma.
O resultado final do bom humor e da catarse, seria, portanto, o alívio das tensões, uma certa leveza, purificação e a aceitação de dadas situações como eventos naturais ou algo que o valha.
Um exemplo de bom humor e catarse, para não nos delongarmos demais, seria: ao ver uma cena cotidiana, onde o homem, todo estabanado, não sabe como se declarar a sua amada (ao vermos tal cena, nos identificamos com o aspecto ridículo da cena, e nos sentimos mais leves, percebendo o quão natural isso é). Ou, contemplamos uma cena de dois amigos embriagados falando besteiras e, ao assistir tal cena, nos enxergamos neles, nos projetamos, sendo capazes de rir deles, mas também de nós mesmos e assim, tornarmo-nos mais leves e críticos em relação ao que nos faz de certa forma, ridículos.
            Contudo, não é isso o que vemos no humor que tem sido feito no Brasil. Não é bom humor, porque não é possível por meio dele, realizar o processo de catarse (leveza e purificação). O humor brasileiro, mormente o atual, é feito de grosserias, xingamentos, de rebaixar o próximo e etc. Não traz catarse nem para quem o faz, nem para quem o assiste. Satirizam a religião, as crenças mais profundas e sagradas de uma pessoa ou povo e, não!... não é feito com o intuito de enaltecer o homem ou entrever os meandros e modismos de determinado credo, mas é feito com a única intenção de fazer rir! Rir do quê? De nada. Rir sem propósito algum. Não há catarse (leveza e purificação) nisto!
            Semelhante são os casos onde o humorista se utiliza de figuras como uma pessoa com síndrome de down, etnia ou qualquer outro traço que a identifique em sua individualidade, simplesmente para satirizar sem nenhum outro propósito que a sátira por si mesma, a audiência e a fama!
            Os humoristas contemporâneos deixaram de consultar os mais velhos, aqueles que muito tempo antes deles terem nascido, já estavam rindo e fazendo rir. Mas não sem propósito e desmedidamente como fazem os humoristas atuais. Antes, produzindo catarse em seus ouvintes. Fazendo com que eles, ao verem-se ridículos, saíssem do espetáculo mais leves e purificados daquilo que antes, lhes parecia ridículo e demérito.
Os humoristas agiam em seus palcos como verdadeiros exorcistas, expulsando demônios de si mesmos e de seus ouvintes, por meio da dramaturgia e de risos – risos estes, não sarcásticos ou maliciosos, mas risos leves e que beiravam à confraternização de todos que em coro, juntavam as vozes para rir a mesma risada/gargalhada.
            E, aos que pensam que os tempos mudaram e que o humor de antes não pode ser o humor de hoje, vale lembrar a estes, de que a todo principiante em qualquer arte, é-lhe preciso consultar os doutores, senão por respeito, ao menos pelo Princípio de Autoridade. Para fazer bom humor, é preciso consultar primeiro aqueles que foram doutores na arte do humor. Não é preciso segui-los se não quiser, mas faz-se necessário ao menos consultá-los e tomá-los como a referência primeira de uma determinada arte, no caso, a arte de fazer rir – a arte do humor.
            Doravante, o bom humor se caracteriza fundamentalmente por provocar tanto no comediante quanto na plateia, o processo de catarse (purificação e leveza). Se a comédia não faz isto, ela não é e nunca será boa comédia! Não é e nunca será bom humor! E, note-se que mesmo o chamado “humor negro” pode produzir catarse, mas é preciso que seja feito com propriedade e muito respeito pela profissão e arte humorística.




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A POÉTICA – de Aristóteles.

INICIAÇÃO À ESTÉTICA – de Ariano Suassuna.

PEQUENO TRATADO DAS GRANDES VIRTUDES (sobre o humor)   de André Comte-Sponville.