domingo, 7 de julho de 2013

Linguagem, Símbolo e Intencionalidade

Texto produzido em parceria com meu pai.

Buscando compreender o mundo, empregamos a capacidade de conhecer que, não sendo exclusiva do ser humano se manifesta também nos animais, embora em graus distintivos em relação a este. A razão discursiva habilita o homem a, dos conhecimentos adquiridos pela experiência, alcançar através do raciocínio com base no princípio de causalidade novos conhecimentos que todavia devem ser postos a prova da experiência para atestar-lhes a veracidade e correção, já que somos sujeitos a resvalar em falsos raciocínios e falácias.

O raciocínio como atributo distintivo do ser humano não se daria sem o uso da linguagem, daí o nome razão discursiva, separando-a da razão como capacidade de descobrir os nexos causais da qual os animais intuitivamente participam também.

Linguagem é todo meio que empregamos para comunicar algum conhecimento. A linguagem gestual incluindo as expressões faciais deve ter sido uma das primeiras a surgir, que não bastando em si, se fez acompanhar de linguagens afetivas como gritos de alegria, de espanto, de raiva etc. As manifestações emocionais via expressões vocais, faciais e gestuais são via de regra, inconfundíveis, independente do lugar, cultura e raça e acompanham a linguagem falada acentuando-lhe a expressividade. Quando o professor quer que o aluno indisciplinado saia da sala, o faz ordenando-lhe a saída com tom de voz veemente e ameaçador apontando em direção à porta com expressões faciais de desagrado , sem que as palavras em si mesmas contenham qualquer ameaça explicita. A linguagem gestual serviu para criar a dança, bem como a verbal, o canto, a batida dos tambores, o ritmo e o choque dos metais, o som musical. É fácil imaginar homens primitivos festejando alguma incursão bem sucedida, uma boa caça por exemplo, pulando e soltando gritos de alegria, emoção incontida que se desdobra em expressões simbólicas de dança e canto, para que os outros do grupo participem da celebração.
         
As linguagens simbólicas principalmente a verbal e a visual, são ferramentas essenciais da memória. Uma memória sem símbolos só registra imagens e fatos para conhecimento pessoal, incomunicáveis todavia.
       
Um cachorro quando vê seu dono chegar, expressa alegria, a partir das linguagens que dispõe naturalmente, abanando o rabo, dando pulos e latindo, linguagens que embora comuniquem, não tem caráter simbólico ainda que tentemos descobrir-lhes algum simbolismo. Esta limitação impede o cachorro de lidar com o tempo mediato, futuro e/ou passado, tal como nós o fazemos. Ele muito raramente consegue planejar uma ação que ultrapasse um futuro tangível à sua percepção sensorial ou lembrar de um passado como referencial de tempo. O filho do dono que acabou de chegar de uma longa viagem é logo reconhecido e festejado com manifestações que são próprias ao animal, mas o tempo da separação só será conhecido pelo dono e seu filho.
       
A faculdade de apreender o futuro só pode ser alcançada por meio da razão discursiva/raciocínio que por seu turno surge e se desenvolve pari passu com a linguagem simbólica. As palavras não simbolizam apenas coisas mas também pensamentos, sentimentos, enfim, tudo o que se refere ao campo da atividade humana.Como lembraríamos de um pensamento sem uso dos símbolos/palavras que o codificaram em nossa memória e ainda que lembrássemos como o poderíamos comunicar aos demais?
      
Os homens da caverna não dispunham de linguagem visual simbólica (a escrita); tanto é que as imagens rupestres  que nos deixaram não são de modo algum acompanhadas de quaisquer inscrições e símbolos. Essas imagens representam as primeiras tentativas do homem expressar-se através da linguagem visual. Os símbolos visuais primitivos, como gênese da escrita,  lembram as imagens do objeto, da pessoa, do animal, que buscavam comunicar; basta observar as escritas hierográficas do antigo Egito nas quais as representações gráficas deixavam de ser simples imagens reproduzidas para tornarem-se símbolos visuais, ou seja, palavras escritas. Sem o uso da linguagem não teríamos evoluído de pequenos agrupamentos itinerantes em busca de caça para comunidades assentadas e agrícolas e por fim urbanas.

A nossa razão por ter identificado o principio da causalidade, dele se usa para tornar o mundo inteligível. Na natureza tudo é efeito de uma causa e causa de um novo efeito e assim sucessivamente. Observando todavia a vida dos animais em geral e do ser humano em especial, vemos que há um fator de inversão na ordem de sucessão de causa e efeito, fator que chamamos intencionalidade. Ingerir um alimento representa uma seqüência de movimentos físicos sucessivos de causa e efeito, entretanto, o ato como tal não ocorreria sem a intencionalidade pelo fim à que se propõe atender. Participar de uma prova de atletismo requer uma seqüência de movimentos físicos sucessivos de causas e efeitos, todavia, é o fim mentalizado pelo atleta que desencadeia o processo sendo-lhe a causa principal. O animal que persegue outro para o alcançar empreende uma série de causas e efeitos físicos, mas é na intenção de alcançar o outro que está a origem da perseguição. Os seres vivos se pautam geralmente na intencionalidade que como tal é a causa imaterial de todas as suas atividades. Tratando-se de seres humanos, vemos que são causas imateriais que via de regra determinam e dão sentido aos movimentos do corpo e as ações em geral. A dança talvez se aproxime mais ao movimento, isto é, movimento sem intencionalidade, movimento como fim em si mesmo, encontrando sua intencionalidade no simbolismo da celebração.

Usaremos doravante a palavra espiritual para designar o imaterial e espírito para as manifestações do pensamento em geral e a intencionalidade em especial. Há todavia  distinção entre intencionalidades que se manifestam no animal e no ser humano, visto que o animal não encontra em seu espírito motivações para além de um futuro tangível à sua percepção sensorial, ou seja, embora sua intencionalidade seja de natureza imaterial/espiritual, objetiva um fato físico e material; o mesmo não acontece com o homem que em suas intencionalidades possui um vasto repertório que também abrange aquelas de natureza estética, ética e religiosa.         

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