domingo, 7 de julho de 2013

ARTIGO I

                                                             
G. Vico (retirado da Wikipedia)

A    Política Poética em G. Vico:
Sobre a(s) verdade(s) política(s) por detrás de toda e qualquer fábula greco-romana

                                                                                                    José Chadan

            RESUMO

            O presente artigo investigará os capítulos 6,7 e 8 da obra intitulada Ciência Nova, de Giambattista Vico. Os capítulos em questão tratam da Política Poética. Neste recorte, o pensador versa principalmente sobre a dita Idade dos Heróis, mostrando como, segundo ele, em toda fábula e mito grego e romano, conteriam por detrás, um pano de fundo, uma verdade política.  Passando por Orfeu, Minos, Jupiter e Vulcano (dentre outros), Giambattista Vico mostrara os paralelos existentes, segundo ele, entre a classe dos deuses, suas posições no Olimpo e a classe dos homens, dividida em patrícios e plebeus. Tratará de algumas formas de governo, mencionando também lutas políticas que ocorreram em Roma e as supostas virtudes heroicas.

Palavras-Chave: Política, fábula, mito, Roma, virtude, patrícios, plebeus, latrocínio.


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No pensamento de G. Vico, expresso em sua obra Ciência Nova[1], a humanidade passa por três etapas, ascendendo em espiral[2], iniciando na idade dos deuses, passando para a idade dos heróis e finalmente, chegando na idade dos homens. Entretanto, não nos perderemos em detalhar cada uma destas fases, correndo o risco de cair em generalizações e banalizações do pensamento deste importante filósofo[3]. Ao contrário, tendo feito um recorte muito preciso na obra de Vico, nos deteremos nele, apoiados em alguns comentadores que esclarecem o tema.
          O recorte feito para este trabalho, se reporta a idade dos heróis, portanto, a segunda etapa da humanidade segundo Vico. Na idade dos heróis, como mostra António M. Barbosa de Melo: “ o direito fundamenta-se na força e o governo assume a forma aristocrática”[4].
            No capítulo sexto intitulado Segue a Política dos Heróis, Vico lança mão de mitos gregos para mostrar como o mito, a simbologia do mito, se relaciona ou mesmo, funda a vida política. Em se tratando de mostrar como se dava a vida política, Vico se refere à Grécia antiga, mas principalmente a Roma[5], baseando-se nos escritos de Heródoto[6], Tito Lívio (59 a. C.,- 17 d. C.)[7]e nos escritos de Tucídides[8]. Heródoto, escrevera sobre a invasão persa na Grécia no inicio do século V a.C. Lívio teria escrito sobre a história da Roma antiga, desde a sua fundação até o primeiro século da era cristã, e Tucídides escrevera sobre a Guerra do Poloponeso. Já, no tocante aos mitos, o editor aufere muitos ditos de Vico, como referências à Ilíada de Homero.
            Ainda sobre Homero, poeta pelo qual Vico nutria grande admiração, cabe dizer que, seus heróis, assim como os deuses gregos, eram muito brutais[9], mas Vico justificava tal concepção “ considerando que períodos diferentes têm diferentes padrões de comportamento e, que Homero pertencia à sua época”[10] e que “ considerava os poemas homéricos, assim como os mitos gregos, como produtos do pensamento primitivo[11]”.
A idade dos heróis teria tido inicio com os corsos de Minos[12], um dos filhos de Zeus com a princesa Fenícia Europa. Minos teria sido rei e legislador da ilha de Creta.  É com Minos que se inicia, portanto, a idade dos heróis, onde o que vigora é a lei do mais forte. Se inicia também, com a expedição naval que Jasão fez no Ponto, dando continuidade à guerra de Tróia[13].  Vico diz que neste período, deve ter nascido Neptuno, a última das divindades maiores, filho de Saturno e irmão de Plutão. Neptuno, o deus do mar. Segundo Vico, ao mesmo tempo em que nascia Neptuno, teria nascido também, a razão filosófica, que seria mais precisamente uma descoberta da técnica, da arte naval e náutica, que representaria a “fina-flor do engenho”[14] e as últimas descobertas das nações[15]. Sendo Dédalo, arquiteto e engenheiro, o descobriu[16]
Ulisses, o herói da Odisseia de Homero, toda vez que aproava ou era levado pela tempestade para a terra, subia em algum morro a ver se de lá, podia ver fumo, que denunciasse a habitação de homens ali[17]. Tamanho o medo que até mesmo os heróis tinham do mar. E, por sua vez: “ Neptuno armado do tridente, com que fazia tremer a terra, que deve ter sido um grande gancho para aferrar as naves”[18]. Por fim, Ariana, que representaria a arte de navegar[19], teria ensinado a Teseu[20], através da navegação, a como escapar do labirinto construído por Minos.
Na época homérica, era considerada virtude heroica, o latrocínio. Houve até mesmo uma lei promulgada por Sólon, – um dos sete sábios da antiga Grécia– que permitia os saques na sociedade[21]. Mesmo Platão e Aristóteles colocaram o latrocínio entre as virtudes, como afirma Vico: “ os latrocínios não apenas não eram infames, mas eram considerados entre os exercícios da virtude”[22].
E ainda:
nos tempos da sua mais culta humanidade, era celebrado pelos humaníssimos Gregos esse tal costume bárbaro, donde são retirados quase todos os argumentos das suas comédias[23].
Os heróis gregos eram então, exemplos de roubo, saque, latrocínio, inospitalidade e etc. os gregos consideravam bárbaros, os romanos e estes, consideravam os estrangeiros como “eternos inimigos de guerra”[24].
Estes mesmos povos tidos como estrangeiros pelos romanos, quando passavam de alguma forma a habitar a cidade, deixavam a condição de estrangeiros para a condição de plebeu[25].  Estes mesmos povos, que passaram da condição de estrangeiros, para plebeus, quiseram depois, obter igualdade de condições com seus senhores patrícios. Então, elaboram a lei das Doze Tábuas[26]: “direito alcançado pelos plebeus de codificar o direito costumeiro, impedindo as arbitrariedades dos patrícios contra eles”.[27]
Com base nos argumentos dados até aqui, de que a virtude dos heróis eram o roubo, a violência, o latrocínio, Platão conclui que as cidades foram nascidas do poder das armas[28], onde os latrocínios eram considerados justos[29]. O que não era justo eram as guerras não declaradas, mas as guerras declaradas e os latrocínios eram justos e virtuosos[30].
Houve, na antiguidade então, o “ bélico heroico naval” e o “bélico heroico terrestre”. “ Os heróis expulsavam-se dos tronos uns dos outros[31]” e as cidades se hostilizavam entre si.  Tais relatos das virtudes heroicas, eram considerados também com exemplos e portanto, virtudes civis. Tendo sido relatados pela história poética, ela mesma, repleta das competições heroicas[32]. Por exemplo, a fábula que narra Lino ( da parte dos plebeus) sendo morto por Apolo numa destas competições[33].   Ou a fábula de Midas (da parte dos plebeus) que trazendo escondidas orelhas de burro, é descoberto, semelhante aos plebeus descobertos como monstros pelos patrícios[34].  Ou ainda, Vulcano que tendo se metido numa contenda entre Júpiter e Juno, é precipitado do céu e termina coxo[35].
Vico menciona ainda, algumas fábulas que pretendem aludir á vida política dos romanos:
Atalanta entrega aos plebeus, primeiro o domínio bonitário dos campos, depois, o quiritário, e reserva para si os conúbios: precisamente como os patrícios romanos, com a primeira lei agrária de Sérvio Túlio e com a segunda das leis das XII Tábuas[36].
Ou como..
Os pretendentes de Penélope invadem o palácio de Ulisses ( para dizer o reino dos heróis) e declaram-se reis, devoram-lhe os patrimônios régios (apropriaram-se do domínio dos campos), pretendem tomar Penélope por mulher (...) Vulcano heroico prende Venus e Marte plebeus (...) como Coriolano pretendia sujeitar os plebeus romanos, descontentes com a lei agrária de Sérvio Túlio, a jornaleiros de Rômulo[37].
Ou até mesmo como Minos que raptava donzelas da Ática[38]. Vico utiliza este mito para falar dos conúbios na sociedade romana. Ou mesmo Hércules que submete, através de suas aventuras, “o direito heroico dos campos aos plebeus”[39].
Segundo G. Vico, toda a mitologia grega e/ou romana, trata da vida política. Tanto as núpcias como a trama de poderes estavam contidos nas fábulas, nos feitos heroicos. Todas as fábulas querem dizer algo sobre a organização política concreta, quer dos romanos, quer dos gregos. Orfeu, o fundador da Grécia, por exemplo, é morto pelas bacantes (pela plebe enfurecida, segundo Vico). Esta fábula quer dizer algo sobre insurreição e liberdade popular[40].
No capitulo sétimo, intitulado Corolários acerca das coisas romanas antigas e, particularmente, do sonhado reino romano monárquico e da sonhada liberdade popular ordenada por Júnio Bruto, Vico trata dos abusos que os patrícios romanos cometiam contra a plebe e de como esta, tentava subverter a ordem opressora[41].  Estas lutas por assim dizer, heroicas, ressurgem de tempos em tempos, onde os governantes desejam manter a ordem estabelecida e os governados desejam subvertê-la para libertar-se da opressão. Como nos ensina Peter Burke:
a história romana se assinalava por longos e às vezes violentos conflitos entre dois grupos sociais, os patrícios e os plebeus. Essas ‘lutas heróicas’ eram, segundo ele [Vico], um caso especial de um conflito que sempre reaparece na história, o conflito entre os governantes e os governados[42].
Parece que a intenção de Vico seria a de denunciar/ressaltar os abusos cometidos pelos poderosos e apontar para o equivoco cometido pelos filólogos[43] no tocante às
palavras como ‘rei’ e ‘liberdade’; pelo que, todos acreditaram ter sido monárquico o reino romano e ter sido liberdade popular a ordenada por Júnio Bruto[44].
Como afirma Vico mais adiante: “ que o reino romano foi aristocrático e que a liberdade ordenada por Bruto foi a dos senhores[45]”.  Entretanto, no final da era dos heróis e inicio da era dos homens, os plebeus conquistaram primeiro a liberdade contra as prisões arbitrárias e depois a liberdade de participar da vida política.  Disto surgiu uma mudança de consciência. Os plebeus deixaram de considerar os patrícios como heróis e entenderam serem iguais à eles - participes da mesma natureza humana e portanto, portadores dos mesmos direitos civis[46]
Vico também aponta em outro lugar para o equívoco em que tropeçaram outros políticos, achando haver uma passagem natural e até mesmo necessária, iniciando no governo tirânico, que seguiria para as repúblicas populares, culminando nas aristocracias[47]. Então, embora chamasse República o modo de governar o Estado, seria melhor chamá-lo de oligarquia[48]. Vico chega até a equiparar a república romana da época de Júnio Bruto à Esparta[49] por serem dois modos de governo aristocráticos[50]. Mas faz isto de modo muito superficial (ao menos neste ponto) e sem entrar em minúcias.
No capítulo oitavo da obra de G. Vico, intitulado Corolário acerca do heroísmo dos primeiros Povos, último capítulo para o referido trabalho, mostra que as virtudes heroicas dos primeiros povos, inspirada pela sabedoria dos antigos[51], mormente por Homero, são na verdade exaltações de condutas vis, opressoras e cruéis que a plebe deve se libertar. É como se Vico apontasse para a ideologia dos poderosos, alertando o povo para não a aceitar como sendo sua[52]. Na verdade, os heróis tais como os patrícios se concebiam a si próprios e como queriam fazer com que a plebe os concebesse, eram eternos inimigos desta[53].
Os nobres antigos se tinham a si mesmos na conta de heróis, e portanto, de natureza superior ao plebeu[54]. Queriam com isto, justificar o fato de as repúblicas serem por natureza, aristocráticas, ou seja, do naturalmente mais forte[55].  Aristocrática, quer dizer, dos patrícios, “ de uns poucos pais”, como alerta Vico.
Os heróis eram aqueles que se sacrificam por seu soberano[56] e não pelo povo, pela plebe. Disto, nota-se que, se repartidas as classes, ambos, governantes e governados quererão ter para si, um herói.
G. Vico concluí, equiparando novamente, o heroísmo romano ao heroísmo grego, quer dos atenienses governados por severíssimos areopagitas, quer espartanos, num regime político centralizador e autoritário[57].

Bibliografia

ARISTÓTELES. A Política, trad. Roberto L. Ferreira,  Martins Fontes, São Paulo, 2000.
BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997.
CHADAN, José. O direito de Propriedade em Roma. Monografia. São Paulo:  Centro Universitário Assunção, 2005.
VICO, G. Ciência Nova. Trad. Jorge V. de Carvalho, Fund. Calouste G. 2005.

           





[1] O termo ciência em italiano, comporta uma ambiguidade. Podendo querer dizer ciência tal como no sentido de ciência moderna, de Galileu ou, simplesmente, conhecimento. Segundo P. Burke, este seria o sentido de ciência para Vico: conhecimento, conhecimento novo. Cf. BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 91.
[2] VICO, G. Ciência Nova. Trad. Jorge V. de Carvalho, Fund. Calouste G. 2005, p. XIX.
A partir desde ponto, todas as vezes em que citar esta obra mencionarei apenas o título.
[3] Para aprofundar o tema, vide o prefácio da obra mencionada na nota acima e se terá uma visão mais detalhada, ainda que introdutória das três etapas da humanidade. Ler também o capítulo 3 do livro de Peter Burke intitulado: Vico.
[4] Ciência Nova, p. XVIII.
[5] BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 80.
[6] Ciência Nova, p. 471, nota do tradutor.
[7] Ibid., p. 497/ BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 87.
[8] Ibid., p. 498.
[9] BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 61.
[10] Ibid., p. 62.
[11] Ibid., p. 63.
[12] Ciência Nova., p. 471, nota do tradutor.
[13] Ibid., p. 471.
[14] Ciência Nova, p. 471.
[15] Ibid.
[16] Ibid., p. 471, 473.
[17] Ibid., p. 472.
[18] Ibid.
[19] A arte da navegação foi aprendida pelos Cretenses : Cf. Ciência Nova, p. 473.
[20] Irmão de Dédalo. Em nota, o tradutor corrige: Cf. Ciência Nova, p. 473.
[21] Ciência Nova, p. 474.
[22] Ibid.
[23] Ciência Nova, p. 475.
[24] Ibid., p. 476.
[25] Ibid.
[26] Ibid., p. 477.
[27] CHADAN, José. O direito de Propriedade em Roma. Monografia em História. São Paulo:  Centro Universitário Assunção, 2005, p. 8.
[28] Ciência Nova, p. 478.
[29] Ibid.
[30] Ibid.
[31] Ibid., p. 482.
[32] Ciência Nova, p. 483.
[33] Ibid., p. 484.
[34] Ibid., p. 485.
[35] Ibid.
[36] Ibid., p. 486.
[37] Ibid., p. 487.
[38] Ciência Nova, p. 488.
[39] Ibid., p. 489.
[40] Ibid., p. 492.
[41] Em se tratando do povo romano, Vico parece querer relacioná-lo ao deus romano da guerra, Marte: Cf. Ciência Nova, p. 495.
[42] BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 73.
[43] Por filologia Vico compreende uma forma de indução. Sendo portanto, complementar a filosofia, esta, uma forma de dedução. Ambas, formas se complementariam para formar o conhecimento das humanidades: Cf. BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, 95.
[44] Ciência Nova, p. 496.
[45] Ibid., p. 498.
[46] BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 74.
[47] Ciência Nova, 496.
[48] Faço uso da terminologia aristotélica, já que oligarquia é o governo de poucos com vista aos próprios interesses e aristocracia, o governo de poucos com vista ao interesse geral e comum: Cf. ARISTÓTELES. A Política, trad. Roberto L. Ferreira,  Martins Fontes, São Paulo, 2000, p. 106.
[49] Ciência Nova, p. 497.
[50] Que o professor me perdoe a ignorância, mas não seria mais assertivo dizer oligárquicos que aristocráticos? Digo isto baseado na terminologia aristotélica, que fundamenta a filosofia política durante longo período na história. Salvo minha ignorância.
[51] Vico utiliza exatamente esta expressão. Talvez tivesse em mente a obra mesma de F. Bacon de mesmo nome.
[52] Vico faz isto antes de Marx: Cf. BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, 74.
[53] Ciência Nova, p. 503.
[54] Ibid., p. 505.
[55] Ibid., p. 508.
[56] Ciência Nova, p. 508.
[57] Ibid., p. 509.

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