G. Vico (retirado da Wikipedia)
A Política Poética em G. Vico:
Sobre
a(s) verdade(s) política(s) por detrás de toda e qualquer fábula greco-romana
José Chadan
RESUMO
O presente artigo investigará os
capítulos 6,7 e 8 da obra intitulada Ciência Nova, de Giambattista Vico. Os
capítulos em questão tratam da Política Poética. Neste recorte, o pensador
versa principalmente sobre a dita Idade dos Heróis, mostrando como, segundo
ele, em toda fábula e mito grego e romano, conteriam por detrás, um pano de
fundo, uma verdade política. Passando
por Orfeu, Minos, Jupiter e Vulcano (dentre outros), Giambattista Vico mostrara
os paralelos existentes, segundo ele, entre a classe dos deuses, suas posições
no Olimpo e a classe dos homens, dividida em patrícios e plebeus. Tratará de
algumas formas de governo, mencionando também lutas políticas que ocorreram em
Roma e as supostas virtudes heroicas.
Palavras-Chave:
Política, fábula, mito, Roma, virtude, patrícios, plebeus, latrocínio.
***
No
pensamento de G. Vico, expresso em sua obra Ciência
Nova[1], a
humanidade passa por três etapas, ascendendo em espiral[2],
iniciando na idade dos deuses, passando para a idade dos heróis e finalmente,
chegando na idade dos homens. Entretanto, não nos perderemos em detalhar cada
uma destas fases, correndo o risco de cair em generalizações e banalizações do
pensamento deste importante filósofo[3].
Ao contrário, tendo feito um recorte muito preciso na obra de Vico, nos
deteremos nele, apoiados em alguns comentadores que esclarecem o tema.
O recorte feito
para este trabalho, se reporta a idade dos heróis, portanto, a segunda etapa da
humanidade segundo Vico. Na idade dos heróis, como mostra António M. Barbosa de
Melo: “ o direito fundamenta-se na força e o governo assume a forma
aristocrática”[4].
No capítulo sexto intitulado Segue a Política dos Heróis, Vico lança mão de mitos gregos para mostrar como o mito, a simbologia do mito, se
relaciona ou mesmo, funda a vida política. Em se tratando de mostrar como se
dava a vida política, Vico se refere à Grécia antiga, mas principalmente a
Roma[5],
baseando-se nos escritos de Heródoto[6], Tito
Lívio (59 a. C.,- 17 d. C.)[7]e
nos escritos de Tucídides[8]. Heródoto,
escrevera sobre a invasão persa na Grécia no inicio do século V a.C. Lívio
teria escrito sobre a história da Roma antiga, desde a sua fundação até o
primeiro século da era cristã, e Tucídides escrevera sobre a Guerra do
Poloponeso. Já, no tocante aos mitos, o editor aufere muitos ditos de Vico,
como referências à Ilíada de Homero.
Ainda sobre Homero, poeta pelo qual
Vico nutria grande admiração, cabe dizer que, seus heróis, assim como os deuses
gregos, eram muito brutais[9],
mas Vico justificava tal concepção “ considerando que períodos diferentes têm
diferentes padrões de comportamento e, que Homero pertencia à sua época”[10] e
que “ considerava os poemas homéricos, assim como os mitos gregos, como
produtos do pensamento primitivo[11]”.
A
idade dos heróis teria tido inicio com os corsos de Minos[12],
um dos filhos de Zeus com a princesa Fenícia Europa. Minos teria sido rei e
legislador da ilha de Creta. É com Minos
que se inicia, portanto, a idade dos heróis, onde o que vigora é a lei do mais
forte. Se inicia também, com a expedição naval que Jasão fez no Ponto, dando
continuidade à guerra de Tróia[13]. Vico diz que neste período, deve ter nascido
Neptuno, a última das divindades maiores, filho de Saturno e irmão de Plutão.
Neptuno, o deus do mar. Segundo Vico, ao mesmo tempo em que nascia Neptuno,
teria nascido também, a razão filosófica, que seria mais precisamente uma
descoberta da técnica, da arte naval e náutica, que representaria a “fina-flor
do engenho”[14]
e as últimas descobertas das nações[15].
Sendo Dédalo, arquiteto e engenheiro, o descobriu[16].
Ulisses,
o herói da Odisseia de Homero, toda vez que aproava ou era levado pela
tempestade para a terra, subia em algum morro a ver se de lá, podia ver fumo,
que denunciasse a habitação de homens ali[17].
Tamanho o medo que até mesmo os heróis tinham do mar. E, por sua vez: “ Neptuno
armado do tridente, com que fazia tremer a terra, que deve ter sido um grande
gancho para aferrar as naves”[18].
Por fim, Ariana, que representaria a arte de navegar[19],
teria ensinado a Teseu[20],
através da navegação, a como escapar do labirinto construído por Minos.
Na
época homérica, era considerada virtude heroica, o latrocínio. Houve até mesmo uma lei promulgada por Sólon, – um dos sete sábios da antiga Grécia– que
permitia os saques na sociedade[21].
Mesmo Platão e Aristóteles colocaram o latrocínio entre as virtudes, como
afirma Vico: “ os latrocínios não apenas não eram infames, mas eram
considerados entre os exercícios da virtude”[22].
E
ainda:
nos
tempos da sua mais culta humanidade, era celebrado pelos humaníssimos Gregos
esse tal costume bárbaro, donde são retirados quase todos os argumentos das
suas comédias[23].
Os
heróis gregos eram então, exemplos de roubo, saque, latrocínio, inospitalidade
e etc. os gregos consideravam bárbaros, os romanos e estes, consideravam os
estrangeiros como “eternos inimigos de guerra”[24].
Estes
mesmos povos tidos como estrangeiros pelos romanos, quando passavam de alguma
forma a habitar a cidade, deixavam a condição de estrangeiros para a condição
de plebeu[25]. Estes mesmos povos, que passaram da condição
de estrangeiros, para plebeus, quiseram depois, obter igualdade de condições
com seus senhores patrícios. Então, elaboram a lei das Doze Tábuas[26]:
“direito alcançado pelos plebeus de codificar o direito costumeiro, impedindo
as arbitrariedades dos patrícios contra eles”.[27]
Com
base nos argumentos dados até aqui, de que a virtude dos heróis eram o roubo, a
violência, o latrocínio, Platão conclui que as cidades foram nascidas do poder
das armas[28],
onde os latrocínios eram considerados justos[29].
O que não era justo eram as guerras não declaradas, mas as guerras declaradas e
os latrocínios eram justos e virtuosos[30].
Houve,
na antiguidade então, o “ bélico heroico naval” e o “bélico heroico terrestre”.
“ Os heróis expulsavam-se dos tronos uns dos outros[31]”
e as cidades se hostilizavam entre si.
Tais relatos das virtudes heroicas, eram considerados também com exemplos e portanto, virtudes civis. Tendo sido relatados pela história poética, ela mesma, repleta das competições heroicas[32].
Por exemplo, a fábula que narra Lino ( da parte dos plebeus) sendo morto por
Apolo numa destas competições[33]. Ou a fábula de Midas (da parte dos plebeus)
que trazendo escondidas orelhas de burro, é descoberto, semelhante aos plebeus
descobertos como monstros pelos patrícios[34]. Ou ainda, Vulcano que tendo se metido numa
contenda entre Júpiter e Juno, é precipitado do céu e termina coxo[35].
Vico
menciona ainda, algumas fábulas que pretendem aludir á vida política dos
romanos:
Atalanta
entrega aos plebeus, primeiro o domínio bonitário dos campos, depois, o
quiritário, e reserva para si os conúbios: precisamente como os patrícios
romanos, com a primeira lei agrária de Sérvio Túlio e com a segunda das leis
das XII Tábuas[36].
Ou como..
Os
pretendentes de Penélope invadem o palácio de Ulisses ( para dizer o reino dos
heróis) e declaram-se reis, devoram-lhe os patrimônios régios (apropriaram-se
do domínio dos campos), pretendem tomar Penélope por mulher (...) Vulcano
heroico prende Venus e Marte plebeus (...) como Coriolano pretendia sujeitar os
plebeus romanos, descontentes com a lei agrária de Sérvio Túlio, a jornaleiros
de Rômulo[37].
Ou
até mesmo como Minos que raptava donzelas da Ática[38].
Vico utiliza este mito para falar dos conúbios na sociedade romana. Ou mesmo
Hércules que submete, através de suas aventuras, “o direito heroico dos campos
aos plebeus”[39].
Segundo
G. Vico, toda a mitologia grega e/ou romana, trata da vida política. Tanto as
núpcias como a trama de poderes estavam contidos nas fábulas, nos feitos
heroicos. Todas as fábulas querem dizer algo sobre a organização política
concreta, quer dos romanos, quer dos gregos. Orfeu, o fundador da Grécia, por
exemplo, é morto pelas bacantes (pela plebe enfurecida, segundo Vico). Esta fábula
quer dizer algo sobre insurreição e liberdade popular[40].
No
capitulo sétimo, intitulado Corolários
acerca das coisas romanas antigas e, particularmente, do sonhado reino romano
monárquico e da sonhada liberdade popular ordenada por Júnio Bruto, Vico
trata dos abusos que os patrícios romanos cometiam contra a plebe e de como
esta, tentava subverter a ordem opressora[41]. Estas lutas por assim dizer, heroicas,
ressurgem de tempos em tempos, onde os governantes desejam manter a ordem
estabelecida e os governados desejam subvertê-la para libertar-se da opressão.
Como nos ensina Peter Burke:
a
história romana se assinalava por longos e às vezes violentos conflitos entre
dois grupos sociais, os patrícios e os plebeus. Essas ‘lutas heróicas’ eram,
segundo ele [Vico], um caso especial de um conflito que sempre reaparece na
história, o conflito entre os governantes e os governados[42].
Parece
que a intenção de Vico seria a de denunciar/ressaltar os abusos cometidos pelos
poderosos e apontar para o equivoco cometido pelos filólogos[43]
no tocante às
palavras
como ‘rei’ e ‘liberdade’; pelo que, todos acreditaram ter sido monárquico o
reino romano e ter sido liberdade popular a ordenada por Júnio Bruto[44].
Como
afirma Vico mais adiante: “ que o reino romano foi aristocrático e que a
liberdade ordenada por Bruto foi a dos senhores[45]”.
Entretanto, no final da era dos heróis e
inicio da era dos homens, os plebeus conquistaram primeiro a liberdade contra
as prisões arbitrárias e depois a liberdade de participar da vida política. Disto surgiu uma mudança de consciência. Os plebeus deixaram de considerar os patrícios
como heróis e entenderam serem iguais à eles - participes da mesma natureza humana
e portanto, portadores dos mesmos direitos civis[46].
Vico também aponta em outro lugar para o equívoco em que tropeçaram outros políticos, achando haver uma passagem natural e até mesmo necessária, iniciando no governo tirânico, que seguiria para as repúblicas populares, culminando nas aristocracias[47]. Então, embora chamasse República o modo de governar o Estado, seria melhor chamá-lo de oligarquia[48]. Vico chega até a equiparar a república romana da época de Júnio Bruto à Esparta[49] por serem dois modos de governo aristocráticos[50]. Mas faz isto de modo muito superficial (ao menos neste ponto) e sem entrar em minúcias.
Vico também aponta em outro lugar para o equívoco em que tropeçaram outros políticos, achando haver uma passagem natural e até mesmo necessária, iniciando no governo tirânico, que seguiria para as repúblicas populares, culminando nas aristocracias[47]. Então, embora chamasse República o modo de governar o Estado, seria melhor chamá-lo de oligarquia[48]. Vico chega até a equiparar a república romana da época de Júnio Bruto à Esparta[49] por serem dois modos de governo aristocráticos[50]. Mas faz isto de modo muito superficial (ao menos neste ponto) e sem entrar em minúcias.
No
capítulo oitavo da obra de G. Vico, intitulado Corolário acerca do heroísmo dos primeiros Povos, último capítulo
para o referido trabalho, mostra que as virtudes heroicas dos primeiros povos,
inspirada pela sabedoria dos antigos[51],
mormente por Homero, são na verdade exaltações de condutas vis, opressoras e
cruéis que a plebe deve se libertar. É como se Vico apontasse para a ideologia
dos poderosos, alertando o povo para não a aceitar como sendo sua[52].
Na verdade, os heróis tais como os patrícios se concebiam a si próprios e como
queriam fazer com que a plebe os concebesse, eram eternos inimigos desta[53].
Os
nobres antigos se tinham a si mesmos na conta de heróis, e portanto, de natureza
superior ao plebeu[54].
Queriam com isto, justificar o fato de as repúblicas serem por natureza,
aristocráticas, ou seja, do naturalmente mais forte[55]. Aristocrática, quer dizer, dos patrícios, “
de uns poucos pais”, como alerta Vico.
Os
heróis eram aqueles que se sacrificam por seu soberano[56] e
não pelo povo, pela plebe. Disto, nota-se que, se repartidas as classes, ambos,
governantes e governados quererão ter para si, um herói.
G.
Vico concluí, equiparando novamente, o heroísmo romano ao heroísmo grego, quer
dos atenienses governados por severíssimos areopagitas, quer espartanos, num
regime político centralizador e autoritário[57].
Bibliografia
ARISTÓTELES. A Política, trad. Roberto L.
Ferreira, Martins Fontes, São Paulo, 2000.
BURKE, Peter.
Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual
Paulista, 1997.
CHADAN, José. O direito de Propriedade em Roma.
Monografia. São Paulo: Centro
Universitário Assunção, 2005.
VICO, G. Ciência Nova. Trad. Jorge V. de Carvalho, Fund.
Calouste G. 2005.
[1] O termo ciência em italiano,
comporta uma ambiguidade. Podendo querer dizer ciência tal como no sentido
de ciência moderna, de Galileu ou, simplesmente, conhecimento. Segundo P. Burke, este seria o sentido de ciência para Vico:
conhecimento, conhecimento novo. Cf. BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L.
Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 91.
[2] VICO, G. Ciência Nova. Trad. Jorge V. de Carvalho, Fund. Calouste G. 2005,
p. XIX.
A partir desde ponto, todas as vezes em que citar
esta obra mencionarei apenas o título.
[3] Para aprofundar o tema, vide o
prefácio da obra mencionada na nota acima e se terá uma visão mais detalhada,
ainda que introdutória das três etapas da humanidade. Ler também o capítulo 3
do livro de Peter Burke intitulado: Vico.
[4] Ciência Nova, p. XVIII.
[5] BURKE, Peter. Vico. Trad.
Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1997, p. 80.
[6] Ciência Nova, p. 471, nota do tradutor.
[7] Ibid., p. 497/ BURKE, Peter.
Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual
Paulista, 1997, p. 87.
[8] Ibid., p. 498.
[9] BURKE, Peter. Vico. Trad.
Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1997, p. 61.
[10] Ibid., p. 62.
[11] Ibid., p. 63.
[12] Ciência Nova., p. 471, nota do tradutor.
[13] Ibid., p. 471.
[14] Ciência Nova, p. 471.
[15] Ibid.
[16] Ibid., p. 471, 473.
[17] Ibid., p. 472.
[18] Ibid.
[19] A arte da navegação foi
aprendida pelos Cretenses : Cf. Ciência
Nova, p. 473.
[20] Irmão de Dédalo. Em nota, o
tradutor corrige: Cf. Ciência Nova,
p. 473.
[21] Ciência Nova, p. 474.
[22] Ibid.
[23] Ciência Nova, p. 475.
[24] Ibid., p. 476.
[25] Ibid.
[26] Ibid., p. 477.
[27] CHADAN, José. O direito de Propriedade em Roma. Monografia em História.
São Paulo: Centro Universitário Assunção, 2005, p. 8.
[28] Ciência Nova, p. 478.
[29] Ibid.
[30] Ibid.
[31] Ibid., p. 482.
[32] Ciência Nova, p. 483.
[33] Ibid., p. 484.
[34] Ibid., p. 485.
[35] Ibid.
[36] Ibid., p. 486.
[37] Ibid., p. 487.
[38] Ciência Nova, p. 488.
[39] Ibid., p. 489.
[40] Ibid., p. 492.
[41] Em se tratando do povo romano,
Vico parece querer relacioná-lo ao deus romano da guerra, Marte: Cf. Ciência Nova, p. 495.
[42] BURKE, Peter. Vico. Trad.
Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1997, p. 73.
[43] Por filologia Vico compreende uma forma de indução. Sendo portanto, complementar a filosofia, esta, uma
forma de dedução. Ambas, formas se complementariam para formar o conhecimento
das humanidades: Cf. BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L. Ferreira, São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, 95.
[44] Ciência Nova, p. 496.
[45] Ibid., p. 498.
[46] BURKE, Peter. Vico. Trad.
Roberto L. Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1997, p. 74.
[47] Ciência Nova, 496.
[48] Faço uso da terminologia
aristotélica, já que oligarquia é o governo de poucos com vista aos próprios
interesses e aristocracia, o governo de poucos com vista ao interesse geral e comum: Cf. ARISTÓTELES. A Política,
trad. Roberto L. Ferreira, Martins
Fontes, São Paulo, 2000, p. 106.
[49] Ciência Nova, p. 497.
[50] Que o professor me perdoe a
ignorância, mas não seria mais assertivo dizer oligárquicos que
aristocráticos? Digo isto baseado na terminologia aristotélica, que fundamenta
a filosofia política durante longo período na história. Salvo minha ignorância.
[51] Vico utiliza exatamente esta
expressão. Talvez tivesse em mente a obra mesma de F. Bacon de mesmo nome.
[52] Vico faz isto antes de Marx: Cf.
BURKE, Peter. Vico. Trad. Roberto L.
Ferreira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, 74.
[53] Ciência Nova, p. 503.
[54] Ibid., p. 505.
[55] Ibid., p. 508.
[56] Ciência Nova, p. 508.
[57] Ibid., p. 509.
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