terça-feira, 23 de julho de 2013

Felicidade versus Bem-aventurança

FELICIDADE versus BEM-AVENTURANÇA: quando achar que tudo está bem mata a empatia pelos outros

Running with the seagulls, Galveston, Texas
Fonte: Wikipedia.
Ed Schipul, Houston, TX, US


Ao perguntarmos às pessoas se são felizes, muitas delas confundirão felicidade com diversas coisas que não se encaixam neste conceito. Alegam ser felizes os que curtem as noitadas, os que tem dinheiro, prestigio social, família ou algo assim. Muitas são as supostas causas daqueles que se dizem felizes ou infelizes.
Certa vez, Santo Agostinho estava entrando pelas portas da igreja quando viu um mendigo rindo... despreocupado. Naquele momento, Agostinho desejou ter aquele riso,  espontâneo e despreocupado, de quem podia até mesmo não possuir nada, nenhum bem, mas que possuía o bem mais precioso que qualquer pessoa deseja ter- um elevado nível de bem-estar.
Mas antes de falarmos de bem-estar, precisamos definir minimamente os conceitos de que estamos tratando, para não tomar gato por lebre. Em primeiro lugar, não investigaremos propriamente a questão do bem-estar, antes, o foco de nossa atenção estará em dois conceitos: felicidade e bem-aventurança.
Felicidade e bem-aventurança são conceitos muito diversos. Felicidade é um estado de satisfação e contentamento quando tudo vai bem. Quando se têm moradia, comida, roupas e as necessidades materiais, políticas e psicológicas supridas.  Bem-aventurança é o oposto disso. A bem-aventurança acontece quando a pessoa não tem todas as necessidades atendidas e mesmo assim, sente-se contente, completa e plena.  Felicidade tem a ver com o bem-estar proporcionado em grande parte pelo Estado. Bem-aventurança é mais como um bem-estar interior, de plenitude e paz.
Haja  visto que muitas pessoas que vivem em países desenvolvidos e com altos índices de educação, saúde, moradia e emprego, muitas vezes sentem-se infelizes. Há nestes países, por vezes, muito alcoolismo e até suicídio.  Já em países menos desenvolvidos, embora existam inúmeros problemas, as pessoas muitas vezes sentem-se bem. Apesar dos problemas, elas doam-se mais (obtendo com isso, maior senso de sentido para a vida), se integram mais na comunidade onde vivem (formando laços fortes de amizade e de pertença, ganhando forte senso de identidade), dentre outras coisas.
Não pretendo fazer aqui um elogio dos baixos níveis de desenvolvimento de um país ou menosprezar os países desenvolvidos. Apenas intento lançar luz a algo que está para além das boas condições de vida numa determinada sociedade, qual seja, a habilidade de se tornar bem-aventurado.


Felicidade                                                            Bem-aventurança
Bem-estar político e social.                               Bem-estar interior (apesar dos pesares)


A felicidade é fruto de um trabalho coletivo. Não posso estar feliz se não tenho condições básicas de higiene, saúde, educação, segurança e etc. Ao passo que bem-aventurança é um trabalho individual, tendo mais a ver com vida interior. Posso estar bem, apesar de viver num país como o Brasil, com tantos problemas e carências.

·        Principais fontes de felicidade:
Saúde,emprego, moradia, saneamento básico e etc.
A felicidade é feita de causas externas.


·        Principais fontes de bem-aventurança:
Paz, satisfação, crescimento pessoal, vida interior, relacionamentos interpessoais e etc.
A bem-aventurança é feita de causas internas.



É por causa da diferença entre felicidade e bem-aventurança que podemos observar muita gente abastada material e externamente, mas que sentem-se mal, como se lhes faltasse alguma outra coisa. Então tais pessoas buscam diversões, álcool, ficam viciadas em trabalho e muitas outras formas de compensação. E, por sua vez, muitas pessoas pobres, vivem com uma dose significativa de bem-estar. Aos primeiros, faltam habilidades internas para produzir uma vida bem-aventurada. Aos segundos, faltam condições externas que lhe aumentem ainda mais aquilo que elas já possuem – bem-aventurança.
Outrossim, muitas vezes pessoas que possuem boas condições externas, adquirem o hábito pernicioso de julgar e condenar os demais. É importante falar nisto, pois não poucas vezes, boas condições de vida acabam por levar uma pessoa a não ter, a matar a empatia por seus semelhantes. Já, as pessoas que não possuem tão boas condições externas, muitas vezes, devido ao próprio sofrimento, cultivam a compaixão e a empatia. Não quero ser ingênuo e dizer que todo rico é egoísta ou que todo pobre é compassivo e empático, porém importa prestar atenção neste aspecto (por vezes generalista).


A felicidade está condicionada ao externo da sociedade. Felicidade e condição.
Boas condições materiais por vezes matam a empatia.


A bem-aventurança é uma habilidade interna da pessoa. Bem-aventurança e habilidade.
Os bem-aventurados cultivam a empatia e compaixão.



Condições favoráveis externas às vezes acabam tendo uma função equivocada, produzindo um fenômeno conhecido como "a falácia mundo-justo". Consiste em achar que todo aquele que está desempregado, mendigos, ou em qualquer situação ruim..., estariam nesta situação porque merecem, não se esforçam, são preguiçosos e etc  Isto acaba roubando a empatia que uma pessoa mais favorecida materialmente poderia sentir por estas outras, prontificando-se a ajudá-los. Este fenômeno ocorre, do ponto de vista psicológico, porque aquele que está numa situação confortável materialmente, quer evitar o sofrimento psicológico de sentir-se responsável por aqueles que estão em situações de precariedade. Mas como esta pessoa se livra do sofrimento e embaraço psicológico que tais pessoas em situações de carência poderiam lhe causar? Anestesiando a consciência  Acreditando na falácia do mundo-justo e dizendo para si mesma: " o mundo é justo! Eu trabalho, pago meus impostos, cuido de muitas outras coisas e olhe, aquele mendigo, aquele outro alcoólatra  os enfermos, os órfãos  não são problema meu. Se estão nesta situação é porque merecem. Existe vagabundo para tudo neste mundo, desde os que não buscam trabalho, aos que não cuidam da própria saúde  até àqueles que ficam pondo criança no mundo, como se fossem coelhos no sio". Por outro lado, condições externas desfavoráveis, às vezes aproximam as pessoas e as fazem mais irmãs.por conta da vulnerabilidade, uma se prontifica e se põe disponível às necessidades da outra e vice-versa (talvez por isto, Jesus tenha dito que o reino de Deus é dos pobres, porque de um modo geral, eles, por causa da vulnerabilidade e fragilidade, conhecem mais de perto também, a compaixão e solidariedade).
Não me arrogando título algum, limito-me a mencionar um certo homem, também pobre, que tendo nascido numa manjedoura, num lugar que serve para alimentar os animais, foi entretanto, um bem-aventurado e fez de seus discípulos, homens igualmente bem-aventurados. Viveu sob a opressão do governo romano. Ganhando a vida como carpinteiro, profissão que aprendeu com seu pai, José. E, morrendo uma morte considerada humilhante para época – a morte de cruz – reservada à escória da sociedade, aos tidos como indesejáveis e malditos.
Sim! É este homem, surrado e castigado, quem fez o maior sermão sobre a bem-aventurança já proferido pela boca humana. Quando o Estado romano não proporcionava a todos, felicidade, Jesus pregou a bem-aventurança e estes ensinamentos estão registrados nos evangelhos, sendo chamados de o Sermão do Monte.
O homem de Nazaré – lugar desprezado até mesmo pelos judeus daquela época- avistando uma multidão, sentou-se no monte e começou a falar-lhes sobre as 10 bem-aventuranças. É como se dissesse ao povo: "olhem, já que o Estado não lhes dá condições para serem pessoas felizes, não se abatam.  Aprendam como se tornar homens e mulheres cheias de bem-aventurança!"
Eis a boa notícia do evangelho (evangelho quer dizer boa notícia): sede bem-aventurados, aprendei como sê-lo e ajudem o meu Pai a instaurar o reino de Deus aqui, também. Um reino em primeiro lugar de bem-aventurança e em segundo, um reino de felicidade.
Como fala João no livro do Apocalipse, dizendo de que no Paraíso todos serão iguais, sem acepção de pessoas. Todos serão reis e sacerdotes. O rei é aquele que governa e administra a cidade (condições externas). O sacerdote é aquele que ensina a vida interior de bem-aventurança (habilidade interna).


Rei- política- felicidade
Sacerdote- vida interior- bem-aventurança.


Meu amigo lhe digo que, se por vezes você se encontra numa situação que não pode mudar, não podendo ser feliz, entretanto, não se abata. Seja sim, um bem-aventurado, apesar dos pesares, apesar das condições externas desfavoráveis.  Lembre-se de que são bem-aventurados todos os pobres, porque eles alcançam o reino dos céus.


Paz e Bem,
José Chadan



***




PARA SABER MAIS:

Confissões de Santo Agostinho.
O Sermão do Monte> evangelho de São Mateus, capítulo 5 da tradução feita por João Ferreira de Almeida.
Livro de Apocalipse. Bíblia Sagrada.
Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano- verbetes: felicidade, bem-aventurança.
The Belief in a Just World: A Fundamental Delusion, de Melvin J. Lerner.

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