FELICIDADE versus BEM-AVENTURANÇA: quando achar que
tudo está bem mata a empatia pelos outros
Running with the seagulls, Galveston, Texas
Fonte: Wikipedia.
Ed Schipul, Houston, TX, US
Ao
perguntarmos às pessoas se são felizes, muitas delas confundirão felicidade com
diversas coisas que não se encaixam neste conceito. Alegam ser felizes os que
curtem as noitadas, os que tem dinheiro, prestigio social, família ou algo
assim. Muitas são as supostas causas daqueles que se dizem felizes ou
infelizes.
Certa
vez, Santo Agostinho estava entrando pelas portas da igreja quando viu um
mendigo rindo... despreocupado. Naquele momento, Agostinho desejou ter aquele
riso, espontâneo e despreocupado, de
quem podia até mesmo não possuir nada, nenhum bem, mas que possuía o bem mais
precioso que qualquer pessoa deseja ter- um elevado nível de bem-estar.
Mas
antes de falarmos de bem-estar, precisamos definir minimamente os conceitos de
que estamos tratando, para não tomar gato por lebre. Em primeiro lugar, não
investigaremos propriamente a questão do bem-estar, antes, o foco de nossa atenção estará em
dois conceitos: felicidade e bem-aventurança.
Felicidade
e bem-aventurança são conceitos muito diversos. Felicidade é um estado de
satisfação e contentamento quando tudo vai bem. Quando se têm moradia, comida,
roupas e as necessidades materiais, políticas e psicológicas supridas. Bem-aventurança é o oposto disso. A
bem-aventurança acontece quando a pessoa não tem todas as necessidades
atendidas e mesmo assim, sente-se contente, completa e plena. Felicidade tem a ver com o bem-estar
proporcionado em grande parte pelo Estado. Bem-aventurança é mais como um
bem-estar interior, de plenitude e paz.
Haja
visto que muitas pessoas que vivem em
países desenvolvidos e com altos índices de educação, saúde, moradia e emprego,
muitas vezes sentem-se infelizes. Há nestes países, por vezes, muito alcoolismo
e até suicídio. Já em países menos
desenvolvidos, embora existam inúmeros problemas, as pessoas muitas vezes
sentem-se bem. Apesar dos problemas, elas doam-se mais (obtendo com isso, maior
senso de sentido para a vida), se integram mais na comunidade onde vivem
(formando laços fortes de amizade e de pertença, ganhando forte senso de
identidade), dentre outras coisas.
Não
pretendo fazer aqui um elogio dos baixos níveis de desenvolvimento de um país
ou menosprezar os países desenvolvidos. Apenas intento lançar luz a algo que
está para além das boas condições de vida numa determinada sociedade, qual
seja, a habilidade de se tornar bem-aventurado.
Felicidade Bem-aventurança
Bem-estar político e social. Bem-estar
interior (apesar dos pesares)
A
felicidade é fruto de um trabalho coletivo. Não posso estar feliz se não tenho condições
básicas de higiene, saúde, educação, segurança e etc. Ao passo que bem-aventurança
é um trabalho individual, tendo mais a ver com vida interior. Posso estar bem,
apesar de viver num país como o Brasil, com tantos problemas e carências.
·
Principais
fontes de felicidade:
Saúde,emprego, moradia, saneamento
básico e etc.
A felicidade é feita de
causas externas.
·
Principais
fontes de bem-aventurança:
Paz, satisfação, crescimento
pessoal, vida interior, relacionamentos interpessoais e etc.
A bem-aventurança é feita
de causas internas.
É
por causa da diferença entre felicidade e bem-aventurança que podemos observar
muita gente abastada material e externamente, mas que sentem-se mal, como se
lhes faltasse alguma outra coisa. Então tais pessoas buscam diversões, álcool,
ficam viciadas em trabalho e muitas outras formas de compensação. E, por sua
vez, muitas pessoas pobres, vivem com uma dose significativa de bem-estar. Aos
primeiros, faltam habilidades internas para produzir uma vida bem-aventurada.
Aos segundos, faltam condições externas que lhe aumentem ainda mais aquilo que
elas já possuem – bem-aventurança.
Outrossim,
muitas vezes pessoas que possuem boas condições externas, adquirem o hábito pernicioso
de julgar e condenar os demais. É importante falar nisto, pois não poucas
vezes, boas condições de vida acabam por levar uma pessoa a não ter, a matar a empatia por seus semelhantes. Já,
as pessoas que não possuem tão boas condições externas, muitas vezes, devido ao
próprio sofrimento, cultivam a compaixão e a empatia. Não quero ser ingênuo e
dizer que todo rico é egoísta ou que todo pobre é compassivo e empático, porém
importa prestar atenção neste aspecto (por vezes generalista).
A felicidade está
condicionada ao externo da sociedade. Felicidade e condição.
Boas condições materiais por vezes
matam a empatia.
A bem-aventurança é uma
habilidade interna da pessoa. Bem-aventurança e habilidade.
Os bem-aventurados cultivam a
empatia e compaixão.
Condições
favoráveis externas às vezes acabam tendo uma função equivocada, produzindo um
fenômeno conhecido como "a falácia mundo-justo". Consiste em achar que todo aquele que está desempregado, mendigos, ou em qualquer situação ruim..., estariam nesta situação porque merecem, não se esforçam, são preguiçosos e etc Isto acaba roubando a empatia que uma pessoa mais favorecida materialmente poderia sentir por estas outras, prontificando-se a ajudá-los. Este fenômeno ocorre, do ponto de vista
psicológico, porque aquele que está numa situação confortável materialmente, quer evitar o sofrimento psicológico de sentir-se responsável por aqueles que estão em situações de precariedade. Mas como esta pessoa se livra do sofrimento e embaraço psicológico que tais pessoas em situações de carência poderiam lhe causar? Anestesiando a consciência Acreditando na falácia do mundo-justo e dizendo para si mesma: " o mundo é justo! Eu trabalho, pago meus impostos, cuido de muitas outras coisas e olhe, aquele mendigo, aquele outro alcoólatra os enfermos, os órfãos não são problema meu. Se estão nesta situação é porque merecem. Existe vagabundo para tudo neste mundo, desde os que não buscam trabalho, aos que não cuidam da própria saúde até àqueles que ficam pondo criança no mundo, como se fossem coelhos no sio". Por
outro lado, condições externas desfavoráveis, às vezes aproximam as pessoas e as
fazem mais irmãs.por conta da vulnerabilidade, uma se prontifica e se põe disponível às necessidades da outra e vice-versa (talvez por isto, Jesus tenha dito que o reino de Deus é dos pobres, porque de um modo geral, eles, por causa da vulnerabilidade e fragilidade, conhecem mais de perto também, a compaixão e solidariedade).
Não
me arrogando título algum, limito-me a mencionar um certo homem, também pobre, que tendo
nascido numa manjedoura, num lugar que serve para alimentar os animais, foi entretanto, um bem-aventurado e fez de seus discípulos, homens
igualmente bem-aventurados. Viveu sob a opressão do governo
romano. Ganhando a vida como carpinteiro, profissão que aprendeu com seu pai,
José. E, morrendo uma morte considerada humilhante para época – a morte de cruz
– reservada à escória da sociedade, aos tidos como indesejáveis e malditos.
Sim!
É este homem, surrado e castigado, quem fez o maior sermão sobre a
bem-aventurança já proferido pela boca humana. Quando o Estado romano não
proporcionava a todos, felicidade, Jesus pregou a bem-aventurança e estes
ensinamentos estão registrados nos evangelhos, sendo chamados de o Sermão do Monte.
O
homem de Nazaré – lugar desprezado até mesmo pelos judeus daquela época-
avistando uma multidão, sentou-se no monte e começou a falar-lhes sobre as 10
bem-aventuranças. É como se dissesse ao povo: "olhem, já que o Estado não lhes
dá condições para serem pessoas felizes, não se abatam. Aprendam como se tornar homens e mulheres
cheias de bem-aventurança!"
Eis
a boa notícia do evangelho (evangelho quer dizer boa notícia): sede
bem-aventurados, aprendei como sê-lo e ajudem o meu Pai a instaurar o reino de
Deus aqui, também. Um reino em primeiro lugar de bem-aventurança e em segundo,
um reino de felicidade.
Como
fala João no livro do Apocalipse, dizendo de que no Paraíso todos serão iguais,
sem acepção de pessoas. Todos serão reis e sacerdotes. O rei é aquele que
governa e administra a cidade (condições externas). O sacerdote é aquele que
ensina a vida interior de bem-aventurança (habilidade interna).
Rei- política- felicidade
Sacerdote- vida interior-
bem-aventurança.
Meu
amigo lhe digo que, se por vezes você se encontra numa situação que não pode
mudar, não podendo ser feliz, entretanto, não se abata. Seja sim, um
bem-aventurado, apesar dos pesares, apesar das condições externas
desfavoráveis. Lembre-se de que são
bem-aventurados todos os pobres, porque eles alcançam o reino dos céus.
Paz
e Bem,
José Chadan
José Chadan
***
PARA SABER MAIS:
Confissões de Santo Agostinho.
O Sermão do Monte> evangelho de São Mateus, capítulo 5 da tradução feita por João Ferreira de Almeida.
Livro de Apocalipse. Bíblia Sagrada.
Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano- verbetes: felicidade, bem-aventurança.
The Belief in a Just World: A Fundamental Delusion, de Melvin J. Lerner.
Nenhum comentário:
Postar um comentário