O INDIVÍDUO EM SÖREN AAYBE KIERKEGAARD
No meu trabalho de conclusão de curso, escolhi dissertar sobre um tema,
que durante muito tempo, fora desprezado pela tradição filosófica. A saber, o
tema do Indivíduo. Tendo este fato em vista, comecei por fazer um panorama
acerca da história. O Indivíduo; deste a Idade Antiga, passando pela Idade
Média, e Moderna, até chegar à Idade Contemporânea; e tudo isto, para saber,
qual foi a contribuição do Filósofo, no que diz respeito a tal conceito.
O Indivíduo é o conceito principal e fundante da obra kierkegaardiana. E
para melhor entendê-lo, retomo aqui, o sentido epstemológico da palavra. A
palavra Indivíduo, tomada no seu radical, significa indivisível. Ela pode ter
basicamente dois sentidos: O primeiro, lógico; sendo a espécie, que não é
divisível por nada. Ou, no sentido físico, sendo a matéria, também,
indivisível. Porém, o Indivíduo do qual quero falar, não é nenhum destes; ele é
sim, o Indivíduo no sentido existente. Ele é, este ou aquele Indivíduo, com
suas maneiras de pensar e de ser, muito próprias, particulares e peculiares. É
de tal modo, que apreende subjetivamente o mundo e fenomenologicamente os
objetos e as coisas e os outros indivíduos. Ele é um ser fenomênico e suas
principais faculdades são: a subjetividade, a interioridade e a verdade.
Conceitos estes, que confluem entre si. Sendo a subjetividade e a
interioridade, capacidades muito particulares, do Individuo apreender o mundo e
as coisas. Tal apreensão é para ele, a verdade.
Mas por que Kierkegaard fundamenta sua filosofia no conceito de
Indivíduo? Para responder esta pergunta, devo me reportar ao último dos
filósofos da tradição clássica, a saber, Hegel. A filosofia de Hegel é uma
filosofia sistemática. Ela abole, por assim dizer, toda e qualquer distinção
entre Deus, o mundo e o Indivíduo; tudo fazendo parte do sistema e
perfeitamente engajados, de modo a manifestar o Espírito Absoluto.
Em Hegel, a distinção desses três aspectos da realidade, é suprassumida;
pois Deus está no mundo, assim como o mundo em Deus, e ambos no Indivíduo. No
fim das contas, falar em Indivíduo em Hegel é quase um sofisma, pois para
Hegel; o que existe não é o Indivíduo isolado, mas é a somatória dos indivíduos
que formam o Estado. Tal, funcionando como uma máquina, como um sistema mesmo;
no qual, uma parte (seja ela qual for) tem conexão direta com todas as outras.
Hegel mesmo, chegou perto de deificar o Estado em detrimento do Indivíduo
livre. Afirmou de que o Indivíduo tem o dever de se expressar, como se ele não
tivesse necessidade de ter vida subjetiva, ou interior, ou algo que guardasse
só com ele. Sua vida deveria ser um livro aberto, já que ele não tem nada a
esconder e já que ele, o Indivíduo, se manifesta segundo o universal, o geral-
segundo as leis e normas do Estado. E isto significa afirmar de que a missão do
Individuo reside em exprimir-se constantemente, em livrar-se do seu caráter de
Indivíduo para alcançar a generalidade.
Ora,, à esse emaranhado que é o sistema hegeliano, Kierkegaard se
insurge. Propondo um novo conceito- o conceito de paradoxo. As tensões
dialéticas irredutíveis a uma síntese. As oposições absolutas que não se
dissolvem, mas permanecem em tensão dialética. Tais como finito e infinito,
liberdade e necessidade, razão e fé, pensamento e existência etc. Seria forçoso
tentar sintetizar qualquer um destes termos citados.
Em Kierkegaard, não se trata de absorver a existência num pensamento
teórico, e sim de viver concretamente a existência. Não se trata de resolver
todas as diferenças entre os indivíduos por meio ou no Espírito Absoluto, e sim
de focar as diferenças, advindas da subjetividade de cada um. Não é possível
incorporar a existência num sistema, no máximo, é possível incorporar nele, a
idéia da existência. Há um abismo imenso
entre o Individuo em sua particularidade e o Espírito Absoluto.
É evidente que a universalidade e a racionalidade tem o seu valor, porém
não se pode sacrificar o Indivíduo em prol disto; pois a universalidade se dá
no âmbito da intelectualidade e o Individuo, no âmbito da existência. O pensar
segundo Kierkegaard, tem então, de harmonizar, intelecto, vontade e ação. Caso
contrário, estaria divorciado da existência. E um pensar que não se volta a
existência, é um pensar inativo, vazio e sem sentido.
A existência mesma, se dá no movimento e dialeticamente a partir da
escolha existencial de cada Individuo. A escolha é de acordo à verdade
apreendida subjetivamente por cada um. Logo, a verdade não é uma equação entre
ser e pensar, posto que é subjetiva; um compromisso pessoal do Individuo com
sua própria existência; é um pensar que se desdobra no agir, ou no ser; ou
melhor, é um pensar simultâneo e portanto indissociável ao ser. É como não
saber o que faço primeiro quando me levanto e pego um objeto. Eu penso e depois
levanto, levanto e depois penso, ou faço os dois simultaneamente? Kierkegaard
diria que se faz os dois simultaneamente.
De que adianta conhecer a ordem objetiva das coisas e dos fenômenos, ou o
que quer que seja, se isso não mudar a minha vida como Individuo que sou. O que
adianta teorizar acerca do Estado ou da Historia, se isso não me ajudar
concretamente a modificar e melhorar a minha vida? Se eu não trouxer esse
conhecimento para o plano prático e existencial? No fundo o que Kierkegaard diz
é que se a filosofia não nos ajuda a viver melhor, se ela não se volta à vida
mesma e as escolhas existenciais, ela de nada serve. Portanto, o que é
necessário não é conhecer a verdade, ou o sistema, ou isto ou aquilo, mas é ver
se tais coisas podem ser introduzidas na existência. E é justamente por esse
motivo que não encontramos em Kierkegaard um pensamento sistemático, que nos
leve a conclusões lógicas; encontramos contudo,
situações existenciais em termos de opções vivenciais que se referem
acerca da categoria fundamental, o Individuo.
O Individuo, visto desta forma, é empurrado para fora de todo e qualquer
sistema, pois ele mesmo, é o paradoxo. Nele reside a subjetividade, a
interioridade; ele se apropria de maneira muito particular e pessoal, do mundo
no qual vive e das relações nas quais está inserido. Nele conflitam eterno e
temporal, liberdade e necessidade, razão e fé, pensamento e existência,
realidade e verdade, e poderíamos citar aqui, outros tantos exemplos de
paradoxalidade. Nenhum sistema teórico sensato o tentaria abarcar visto que o
Individuo é ele mesmo, o paradoxo; e portanto, indissolúvel e irredutível a uma
síntese.
No fim da minha comunicação, sou obrigado a dizer que Hegel tinha razão.
Ele foi o ápice, o ponto culminante da filosofia. Com ele, termina um modo de
fazer filosofia e começa outro. Agora, a razão não pode ser absoluta e nem o
pensamento, sistemático. A razão é redimida sob uma nova forma. A razão tem
limites e o pensamento para que tenha validade, tem de se aplicar à vida de
cada Indivíduo. Não basta para o Individuo concreto, conhecer uma verdade
objetiva e teórica que serve apenas para contemplação; é necessário que ele se
aproprie duma verdade subjetiva que dê sentido a sua existência. É igualmente
necessário que ele compreenda quão paradoxal é essa existência e que ele mesmo,
está em constante tensão dialética. Puxado para o infinito e o finito, o eterno
e o temporal, a necessidade e a liberdade, a fé e a razão, a generalidade e a
individualidade. Tensões essas que nunca se aquietam e nem se resolvem.
José Paulo C. F. Chadan