Fragmento de uma foto retratando um pocket trumpet, retirado da Wikipédia
Autor: José-Manuel Benito
Texto produzido em parceria com meu pai.
As duas funções do pensamento mítico são a de transformar o mundo segundo nossos padrões e modelos ideais e a de revelar e narrar as origens do homem. Para ingressar na instância mítica, um pensamento deve avançar de seu estágio inicial de mera opinião pessoal para o estágio de sua adoção pública e ainda passar pelo crivo histórico e social após o que tornar-se-á um conceito. Por esta definição, conceito é um conhecimento comum a todos e integra portanto a mente coletiva/mítica; mítica porque o mito também se estabelece de forma abrangente a todas as consciências, habitando todas as mentes com maior ou menor intensidade. Os conceitos embora não sejam perenes, tem vida longa e não mudam de forma e conteúdo nem ocupam ou desocupam a nossa consciência como o fazem facilmente as opiniões. Dependendo da postura e do momento existencial de cada um, os conceitos podem exercer um poder maior ou menor sobre a pessoa, mas de qualquer forma terão presença em todas as mentes. As palavras por exemplo, os conhecimentos científicos, bem como os valores éticos e tudo que representa conhecimento para a coletividade, pertencem a categoria dos conceitos. As figuras míticas são também conceitos personificados e modelos a serem seguidos ou autoridades a serem temidas e assim por diante.
Ainda que
discordemos de um conceito, nossa opinião não o desfará enquanto tal, a menos
que percorra igualmente todos os estágios superando-se de opinião pessoal para
opinião pública, e assim por diante, até se tornar um conceito capaz do
confronto. Essa é a razão pela qual os
conceitos se revestem de tamanha autoridade ao ponto de acabarem ditando os
nossos padrões de comportamento, valores e modus vivendi pessoais e sociais. Os
conceitos não precisam ser necessariamente conhecimentos científicos, podendo
ser também de natureza estética, ética, religiosa e etc. desde que, como
conhecimento, sejam consagrados culturalmente.
Nós na verdade, não elaboramos
conceitos, é a dinâmica cultural que se incumbe de fazê-lo, disponibilizando-os
à mente de cada um. Assim quando alguém diz que subimos ou caímos em seu
conceito, significa que na escala dos conceitos da mente coletiva, nós fomos
promovidos ou rebaixados de grau. Da mesma forma quando falamos de um novo
conceito, estamos apontando um pensamento recém empossado pela mente coletiva
no rol dos conceitos. Há dentro da mente
coletiva/ mítica uma verdadeira hierarquia e diversidade de conceitos. Desde a
estética dos modos de se vestir, de falar e de lidar com o público, até a
postura ética que se deve adotar perante as pessoas e a vida, guardadas as
proporções, são esses conceitos que ditam, orientam e padronizam nossas vidas
para que reconheçamo-nos ou não nos outros, como membros do mesmo contexto sócio-cultural.
Os jovens por exemplo, que se comportam de formas atípicas, vestindo roupas
extravagantes, fazendo tatuagens exageradas, penteando-se diferentemente das
demais pessoas, nos causam sentimentos de estranheza, porque ignoram a
mencionada autoridade dos conceitos há muito arraigados em nossa mente coletiva
como padrões de comportamento estético sociável. Estas aberrações põem em
cheque a validade de nossos conceitos de etiqueta e desafiam toda uma estrutura
de comportamento social rigidamente estabelecida como boa e correta.
Estes jovens
não estão de fato propondo um novo conceito estético, mas por trás desta
aparência, ainda que inconscientemente, estão na verdade reivindicando o
banimento dos conceitos vigentes e uma reforma conceitual em nossos padrões
comportamentais. Reforma esta, de cunho ético e não estético como à primeira
vista se nos apresenta ser. Prevalecendo o status quo de nossa mente coletiva,
permanecerão alienados em seu isolamento sócio-cultural; ganhando porém
expressiva adesão passarão a alterar a estrutura hierárquica de nossos
conceitos éticos e até estéticos!
Precisamos
frisar que cada conceito ou conjunto estruturado de conceitos tem em seu bojo a
carga emocional que lhe é própria, sem o que não terá como motivar-nos para a ação
a que se propõe realizar (usaremos a palavra emoção para designar todo
sentimento voltado à ação). O patriotismo por exemplo é um conceito que já
ostentou uma carga emocional muito mais intensa, mas que ainda hoje é capaz de
mobilizar multidões ou até a própria nação por uma causa que lhe seja vital. Os
conceitos religiosos e políticos por sua vez contem em si cargas emocionais de
grande magnitude através das quais suas lideranças conseguem comovendo,
mobilizar positiva ou tendenciosamente manipular as massas da população.
Enfim, o
pensamento mítico que à primeira vista parecia fantasia do homem primitivo, se
nos revela o conteúdo mor da mente coletiva, hábitat de todas as mentes e
consciências. Apoiando-se no tripé da linguagem, do raciocínio e da imaginação,
ele nos transformou em seres comunicativos e por isso sociáveis, dotados da
criatividade sem a qual não seriamos o que somos, nem teríamos e portanto não
realizaríamos os nossos sonhos.
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