domingo, 7 de julho de 2013

Pensamento Mítico como Conceito e Instituição

Fragmento de uma foto retratando um pocket trumpet, retirado da Wikipédia
Autor: José-Manuel Benito

Texto produzido em parceria com meu pai.

As duas funções do pensamento mítico são a de transformar o mundo segundo nossos padrões e modelos ideais e a de revelar e narrar as origens do homem. Para ingressar na instância mítica, um pensamento deve avançar de seu estágio inicial de mera opinião pessoal para o estágio de sua adoção pública e ainda passar pelo crivo histórico e social após o que tornar-se-á  um conceito. Por esta definição, conceito é um conhecimento comum a todos e integra portanto a mente coletiva/mítica; mítica porque o mito também se estabelece de forma abrangente a todas as consciências, habitando todas as mentes com maior ou menor intensidade. Os conceitos embora não sejam perenes, tem vida longa e não mudam de forma e conteúdo nem ocupam ou desocupam a nossa consciência como o fazem facilmente as opiniões. Dependendo da postura e do momento existencial de cada um, os conceitos podem exercer um poder maior ou menor sobre a pessoa, mas de qualquer forma terão presença em todas as mentes. As palavras por exemplo, os conhecimentos científicos, bem como os valores éticos e tudo que representa conhecimento para a coletividade, pertencem a categoria dos conceitos. As figuras míticas são também conceitos personificados e modelos a serem seguidos ou autoridades a serem temidas e assim por diante.
           
Ainda que discordemos de um conceito, nossa opinião não o desfará enquanto tal, a menos que percorra igualmente todos os estágios superando-se de opinião pessoal para opinião pública, e assim por diante, até se tornar um conceito capaz do confronto.  Essa é a razão pela qual os conceitos se revestem de tamanha autoridade ao ponto de acabarem ditando os nossos padrões de comportamento, valores e modus vivendi pessoais e sociais. Os conceitos não precisam ser necessariamente conhecimentos científicos, podendo ser também de natureza estética, ética, religiosa e etc. desde que, como conhecimento, sejam consagrados culturalmente.
           
Nós na verdade, não elaboramos conceitos, é a dinâmica cultural que se incumbe de fazê-lo, disponibilizando-os à mente de cada um. Assim quando alguém diz que subimos ou caímos em seu conceito, significa que na escala dos conceitos da mente coletiva, nós fomos promovidos ou rebaixados de grau. Da mesma forma quando falamos de um novo conceito, estamos apontando um pensamento recém empossado pela mente coletiva no rol dos conceitos.  Há dentro da mente coletiva/ mítica uma verdadeira hierarquia e diversidade de conceitos. Desde a estética dos modos de se vestir, de falar e de lidar com o público, até a postura ética que se deve adotar perante as pessoas e a vida, guardadas as proporções, são esses conceitos que ditam, orientam e padronizam nossas vidas para que reconheçamo-nos ou não nos outros, como membros do mesmo contexto sócio-cultural. Os jovens por exemplo, que se comportam de formas atípicas, vestindo roupas extravagantes, fazendo tatuagens exageradas, penteando-se diferentemente das demais pessoas, nos causam sentimentos de estranheza, porque ignoram a mencionada autoridade dos conceitos há muito arraigados em nossa mente coletiva como padrões de comportamento estético sociável. Estas aberrações põem em cheque a validade de nossos conceitos de etiqueta e desafiam toda uma estrutura de comportamento social rigidamente estabelecida como boa e correta.
           
Estes jovens não estão de fato propondo um novo conceito estético, mas por trás desta aparência, ainda que inconscientemente, estão na verdade reivindicando o banimento dos conceitos vigentes e uma reforma conceitual em nossos padrões comportamentais. Reforma esta, de cunho ético e não estético como à primeira vista se nos apresenta ser. Prevalecendo o status quo de nossa mente coletiva, permanecerão alienados em seu isolamento sócio-cultural; ganhando porém expressiva adesão passarão a alterar a estrutura hierárquica de nossos conceitos éticos e até estéticos!
           
Precisamos frisar que cada conceito ou conjunto estruturado de conceitos tem em seu bojo a carga emocional que lhe é própria, sem o que não terá como motivar-nos para a ação a que se propõe realizar (usaremos a palavra emoção para designar todo sentimento voltado à ação). O patriotismo por exemplo é um conceito que já ostentou uma carga emocional muito mais intensa, mas que ainda hoje é capaz de mobilizar multidões ou até a própria nação por uma causa que lhe seja vital. Os conceitos religiosos e políticos por sua vez contem em si cargas emocionais de grande magnitude através das quais suas lideranças conseguem comovendo, mobilizar positiva ou tendenciosamente manipular as massas da população.
           
Enfim, o pensamento mítico que à primeira vista parecia fantasia do homem primitivo, se nos revela o conteúdo mor da mente coletiva, hábitat de todas as mentes e consciências. Apoiando-se no tripé da linguagem, do raciocínio e da imaginação, ele nos transformou em seres comunicativos e por isso sociáveis, dotados da criatividade sem a qual não seriamos o que somos, nem teríamos e portanto não realizaríamos os nossos sonhos.       
           
            Há todavia um conceito comum a todos os conceitos chamado Instituição. Instituir é estabelecer direitos e deveres, conferir poderes, traçar limites, orientar condutas e tudo o mais que de alguma forma exerça autoridade sobre nós. O poder chamado carisma, que uma figura de destaque exerce sobre os demais é também de natureza institucional; tal pessoa personifica para os outros um sistema/conjunto de conceitos. A escola também é uma instituição que nos obriga a orientarmo-nos nela procedendo de acordo com os propósitos a que se destina. O professor que não dá conta de suas tarefas pedagógicas é afastado de suas funções, o aluno que se rebela contra as normas da escola é censurado enquanto tal. Uma quadra de tênis se destina ao esporte que lhe é próprio e como tal tem status de instituição com suas regras de conduta estabelecidas para os que ocupam o seu espaço. O Estado também é uma instituição e um mito em constante mudança conceitual e no modelo vigente no Brasil abarca em si outras instituições como o poder legislativo, judiciário e executivo. Quando Niesztche decretou a morte de Deus, não o fez revel da mente coletiva, razão pela qual propôs-lhe um substituto, o qual chamou Super-Homem. Um mito posto no lugar de outro e igualmente instituído para não se sujeitar passivamente à nenhum mito, antes como um mito mor subordinar a si todos os conceitos, instituições e mitos.

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