segunda-feira, 30 de setembro de 2013

AGORA JÁ NÃO É ASSIM

* Lembranças de um poema perdido.


Quando você era menor, tudo lhe era novo
Seus pés corriam soltos e sua roupa gritava a liberdade
Mas agora já não é assim

Sua fé foi colocada numa rocha
E como âncora, salvou uma alma de morrer
Mas agora já não é assim

Generosamente, auxiliava a todos
Não havia faltas se você estivesse presente
Mas agora já não é assim

Repartia o que possuía entre os pobres
E, mesmo quando ficava de bolsos vazios, todos viam que você era muito rico
Mas agora já não é assim

Amigo, você me deixaria se isso lhe fosse vantajoso?
E, mesmo antes da resposta, você já havia partido
Mas eu nunca vi alguém mudar tanto assim


José Chadan





quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Obras Publicadas


      

Barca Melancólica
Autor: José Chadan
Fonte Editorial
Capa e preparação: Eduardo de Proença
Prefácio: Ricardo Quadros Gouvêa
Ano: 2011

domingo, 22 de setembro de 2013

1º texto da série: Tirando da marginalidade para proteger




CLT & PROSTITUIÇÃO – moralidade, exploração e mercado.


Ilustração de um prostíbulo na Idade Média,
Autor desconhecido.


José Chadan


Um importante pensador que fez parte dos filósofos chamados Contratualistas, afirmou que a primeira propriedade privada que um indivíduo possui, é seu próprio corpo, ou melhor dizendo: é a força gerada por seu corpo para determinado fim ou trabalho.

        Partindo deste pressuposto, se um indivíduo emprega seu esforço em plantar feijão, o resultado deste trabalho será seu. Se outro indivíduo emprega sua força de trabalho em extrair látex da seringueira para fabricar borracha, o resultado de tal trabalho é seu. Em suma, a força que uma pessoa emprega, seu esforço corporal, determina aquilo que lhe pertence. Esta seria uma delimitação natural daquilo que pertence a alguém. Contudo, quando um indivíduo cerca um pedaço de terra e proclama “Isto é meu”, à partir daí, a propriedade passa a não ser mais dividida segundo as leis naturais, mas segundo a usurpação e acumulação (cito de cabeça). 

        Com isto, o filósofo quis chamar a atenção para (i) a propriedade natural que é o corpo e o esforço que cada um é capaz de fazer, a fim de trabalhar e produzir bens e, (ii) a "propriedade artificial", gerada pela usurpação e acumulo, que só são possíveis graças à invenção da moeda.

Não pretendemos entrar em minúcias acerca dessas querelas, apenas frisar que sendo o corpo um instrumento de trabalho, gerador de bens e riquezas, e sendo ele, a primeira propriedade privada de um indivíduo, assim, o corpo da mulher lhe pertence, sendo propriedade privada, única e exclusivamente dela.

Desta maneira, pode a mulher usar o corpo para trabalhar como bem entender e o resultado do trabalho deve tornar até ela. Contudo, às mulheres sempre foi tirado o direito ao trabalho, exceto nos lares. Apenas no século 19, com o advento das tecnologias, máquinas e Revolução Industrial, é que a mulher se viu forçada a ir trabalhar fora de casa. Mais tarde, a mulher conseguiu se emancipar, trabalhando agora, não mais a contragosto e sim, de livre e espontânea vontade, competindo em pé de igualdade com os homens.

O trabalho doméstico, o cuidado do lar, no qual a mulher costumeiramente empregava sua força de trabalho, poucas vezes recebeu o devido reconhecimento. Outrora, a própria mulher era considerada propriedade do marido. Tanto assim, que se o marido batesse nela, não seria mal visto. O trabalho nas fábricas, logo após a Revolução Industrial também não era de todo, reconhecido. Mal remunerado e exploratório. Não bastasse toda exploração e violação da mulher, as que se viam sem outra escolha, entregavam-se desde jovem, à prostituição. Sendo esta, uma das atividades mais antigas para uma mulher sem escolha. Excetuando-se desta situação, alguma eventual cultura e contexto na qual a prática da prostituição não fosse mal vista, acarretando na marginalização da mulher.

Com a regulamentação do trabalho feminino, a CLT e a emancipação da mulher nos anos 60, a mesma, viu-se reconhecida e valorizada. A mulher não é mais tida como propriedade do marido e a lei Maria da Penha tenta fazer valer o direito à dignidade da mesma. Agora, urge que a prostituição seja regulamentada, para que as mulheres que exercem tal atividade tenham direitos como qualquer trabalhador(a). Aposentadoria, carteira assinada, férias remuneradas, etc.

Não se trata aqui, de fazer um discurso feminista ou coisa assim. Trata-se antes, de enxergar a prostituição não com os olhos burgueses e moralistas, de quem a deprecia e na calada da noite, goza seus benesses sem alardear à sociedade, mas sim, de enxergá-la como uma prestação de serviços. Explico: um barbeiro, um professor, um decorador, são prestadores de serviço. Todos estes, serviços reconhecidos e regulamentados pelas leis do Estado. Semelhantemente, a prostituta precisa ser encarada como uma prestadora de serviços cuja função é proporcionar prazer à quem esteja disposto a pagar por ele.

Moralismos e burguesia à parte. Feminismos também à parte. O que não se pode admitir é que a mulher continue a ser explorada, sejam aquelas que sem opção, foram parar na prostituição, sejam aquelas que optaram voluntariamente por isto. A prostituta deveria ser vista como uma prestadora de serviços e as leis trabalhistas precisam contemplá-la. Regulamentando a profissão e incorporando deste modo, a prestação de serviços sexuais ao mercado de trabalho. Regulado pela oferta e procura e por leis trabalhistas. Tirando assim, a prostituição da marginalidade e salvando do destino trágico, tanto mulheres como travestis e afins. Pois estes, vivem à margem da sociedade, enquanto aqueles que utilizam seus serviços, vivem (hipocritamente) bem no seio da sociedade.

E, àqueles que pretenderem refutar nossa tese, apelando para uma argumentação fundada nas Sagradas Escrituras, vale lembrá-los de que em meados da Idade Média, século XIII, período em que a Santa Igreja tinha plenos poderes para legislar e julgar, a prostituição era tida como algo normal. Esta posição foi formulada por Santo Agostinho* e São Tomás**, justificadas pelo princípio da tolerância  cada qual a seu modo (Cf. A Prostituição na Idade Média, cap. VI, p. 78-79, texto e nota 17). Outrossim, a prostituta era respeitada, seja pelos clérigos, seja pelos magistrados, pois todos entendiam que ela possuía uma dupla função social: (i) ser uma válvula de escape para os instintos violentos dos homens que ao invés de cometerem crimes bárbaros, fariam sexo, aliviando a tensão e (ii) proteger o núcleo familiar, evitando escândalos maiores de adultério. 

Por conta desta função social, tida como importante, a prostituta era protegida pelas autoridades religiosas e pelos juízes. Existiam casas de prostituição bem no centro da cidade, perto da catedral e até mesmo o bispo recebia os aluguéis de tal casa. A prostituta, quando já em idade avançada  30 anos  tendo que abandonar a profissão, não passaria necessidade. Geralmente conseguindo um bom casamento com um magistrado ou uma autoridade e em alguns poucos casos, sendo admitidas em um convento. Elas eram também consideradas como auxiliadoras da família, participando de festas e eventos sociais ( Cf. A Prostituição na Idade Média, p. 70). 

Mas, infelizmente, sob o reinado de Luís, a prostituição foi jogada às margens da sociedade e as putas foram excluídas dela, sendo então equiparadas aos judeus e leprosos; cada qual, obrigado a usar um adereço de identificação por sua suposta impureza. Tamanha exclusão perpassou o renascimento e parece, chegou até 2014 (com algumas variações), causando sofrimento à mulheres que apenas queriam ou tinham que trabalhar utilizando o próprio corpo como ferramenta de serviço.

      Não somos à favor da prostituição. Não é isso! Trata-se antes, de tentar, ainda que precariamente, resgatar a humanidade das pessoas que, voluntaria ou involuntariamente, foram parar às margens da sociedade. Trata-se de protege-las de pretensos exploradores e aliciadores; de protege-las da corrupção. Pois, já que o assunto existe, é preciso trata-lo o mais honestamente possível, salvaguardando o mais que puder, a integridade dos envolvidos  sua humanidade.  E uma das maneiras de conseguir isto, é contemplando-as conforme as leis trabalhistas, retirando-as das margens e puxando-as mais para o centro da sociedade, dando a elas, a devida visibilidade. Visibilidade esta, que as protegeria de abusos e agressões.



________________________

* "Mas tire as prostitutas das coisas humanas e tudo se perturbará pela devassidão (...)". (SANTO AGOSTINHO. A Ordem. Trad. Augustinho Belmonte. Col. Patrística; 24. São Paulo: Paulus, 2008. Livro II, IV, 12, p. 209).
**" E, ainda, as prostitutas devem ser consideradas como mercenárias; de facto alugam os seus corpos para práticas torpes mas, porque trabalham com esses seus corpos têm o direito de conservar aquilo que recebem pelo seu trabalho [...]. Mas se deseja a luxúria e vende seu corpo para a satisfazer, então não vende o seu trabalho e, portanto, actua e recebe desonestamente. E, do mesmo modo, se uma prostituta se disfarça para enganar os clientes lascivos fazendo-lhes ver nela uma beleza que não existe, ela peca e não pode conservar legalmente aquilo que ganhou desta forma" (TOMÁS DE AQUINO. Summa Theologica, II, II, 32, co/17; Cf. PILOSU, Mario. A Mulher, a luxúria e a igreja na Idade Média. Trad. Maria Dolores Figueira. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 88). Aqui, São Tomás deixa claro as condições que tornariam legítimo o trabalho da prostituta e que condições o tornariam ilegitimo e fraudulento. É novamente, a igreja institucionalizando e tolerando a prostituição contanto que tal esteja sendo praticada sob determinadas circunstancias e prescrições. 




VER TAMBÉM: 


A Mulher, a luxúria e a igreja na Idade Média, de Mario Pilosu.

A Ordem, de Santo Agostinho. ed. Paulus.

A Prostituição na Idade Média, de Jacques Rossiaud. editora Paz e Terra. 

Cidade de Deus, de Santo Agostinho.

Confissões, de Santo Agostinho.

Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, de J. J. Rousseau.

Suma Teológica, de São Tomás de Aquino. Parte II, questão II, artigo 32, coluna 17.





quinta-feira, 5 de setembro de 2013

APRESENTAÇÃO PARA A DEFESA PÚBLICA


José Chadan

A Nuvem do Não-Saber, obra que escolhi para fazer minha dissertação de mestrado, é uma obra que data de fins do século 14, tendo sido escrita por um autor cuja identidade é desconhecida; não obstante,  os especialistas e comentadores da obra são unanimes em sugerir que ele teria sido um homem religioso. Talvez um padre, um teólogo, ou mesmo um monge da ordem dos cartuxos, mas sem dúvida alguma, um homem religioso que vivenciou a religiosidade tal como esta se apresentava ao mundo no fim do período medieval - na Inglaterra (lugar onde teria vivido o autor).
Acerca do título da obra – A Nuvem do Não-Saber –  é preciso dizer que o termo nuvem, faz referência ao episódio onde Moisés sobe ao monte Sinai para receber as tábuas da lei, sendo coberto por uma grande nuvem durante seis dias. Após o que, Deus lhe aparece do meio da nuvem. O termo não-saber, faz referência a uma importante frase de São Dionísio em sua famosa obra Os Nomes Divinos, que servirá de fundamento para toda a tradição apofática e toda a teologia negativa. Dionísio afirma de que o conhecimento mais divino sobre Deus é o desconhecimento de Deus. O cartuxo por sua vez, afirma que tudo que diz e escreve em A Nuvem do Não-Saber, encontra-se respaldado por esta afirmação de São Dionísio.
            O tema principal da obra, a vida contemplativa e como, por meio dela, a alma se une a Deus. Em A Nuvem do Não-Saber, o monge cartuxo estaria ensinando a um jovem discípulo como abraçar a vida contemplativa. A vida contemplativa se baseia fundamentalmente em uma interpretação do episódio evangélico em que Jesus entra na casa de Marta e Maria. Enquanto Marta se preocupa em preparar uma refeição para servir a Jesus, Maria senta-se tranquilamente para ouvi-lo. Jesus, então, repreende Marta e aprova Maria, dizendo que esta escolheu a melhor parte. Maria tornou-se desde então, aquela que representa a vida contemplativa e Marta, aquela que representa a vida ativa.
A vida contemplativa se caracteriza pelo silêncio, solidão e, nas palavras do cartuxo, por um impulso cego de amor em direção a Deus. Deus este, que não pode ser conhecido pela via racional, tal como pretendiam os escolásticos, mas que só pode ser “conhecido”, pelo completo abandono das faculdades racionais e por um impulso secreto de amor. Sendo assim, o amor é o único elemento capaz de unir a alma a Deus. Ao passo que a vida ativa, se caracteriza pelas sete obras corporais de caridade e misericórdia, aludidas no capítulo oitavo de A Nuvem.
A vida contemplativa, de acordo com toda a tradição medieval, teria três degraus.  Na base, estaria a vida ativa, correspondendo ao primeiro degrau, que se caracteriza em o cristão executar obras de caridade e de misericórdia. No segundo degrau – uma espécie de meio termo entre uma forma de vida e outra –  o cristão medita sobre a paixão do Senhor, sua morte e as doçuras do céu. Finalmente, no terceiro degrau está a própria vida contemplativa, onde o cristão, com um impulso amoroso, alcança comunhão com Deus e perfura, por assim dizer, a espessa nuvem do não-saber.
A vida contemplativa é constituída por três aspectos: a leitura dos textos sagrados, a meditação em tais textos, e a oração breve que penetra os céus, como mostra o autor no capítulo 35 da obra.
Segundo o autor, a vida contemplativa é superior à vida ativa. Tangenciando o mote central da via contemplativa, em que a alma se une a Deus por meio do silêncio, solidão, oração e amor, o autor ensina também sobre o engano da curiosidade, os perigos da inteligência natural, o repúdio pelo saber livresco, a necessidade de esquecer tudo o que há na terra, no céu e debaixo da terra, quando se pretende abraçar o referido trabalho da contemplação.
O monge cartuxo não está sozinho ao defender esta forma peculiar de contemplação e de vida. Antes, ele faz parte de um importante movimento de misticismo que tomou boa parte da Europa nos fins do medievo. Dentre alguns nomes, vale mencionar: Walter Hilton, Juliana de Norwich, Ruysbroeck, dentre outros. Todos estes, defendendo algo semelhante ao que o cartuxo  defendia – a união com Deus por meio não do conhecimento racional, mas unicamente, por meio do amor, - indo contra a excessiva racionalização dos escolásticos que não mais atendiam os anseios e necessidades dos fiéis.  Datam desta época, diversos grupos místico e religiosos de pessoas que pretendiam viver uma vida de silêncio, solidão e união amorosa com Deus
Muito embora, na época em que surgiu o movimento místico em toda Europa, ele tenha sido considerado pela ortodoxia da igreja católica como sendo um movimento herético, é preciso frisar que todo este movimento se respaldou em importantes pensadores cristãos, como Guigo II, São Dionísio, Orígenes, Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa,  dentre outros.
O movimento místico foi por um lado, fruto de crises estruturais internas dentro da própria igreja católica e fruto de um período de guerras, calamidades e pestes; fruto, também, da insatisfação generalizada com a racionalização exagerada dos escolásticos, que não mais satisfazia nem respondia satisfatoriamente ao que os fiéis buscavam. 
Ao final do trabalho dissertativo, busquei mostrar ou pelo menos indicar como os ensinamentos propostos pelo monge cartuxo, teriam algo a dizer a nós, homens e mulheres do século 21. Como as correntes de psicologia interpretaram o fenômeno místico, a diferença entre vida contemplativa no medievo e hoje, a experiência mística como ampliação da consciência e aproximações entre a contemplação cristã e o zen budismo. Tendo consciência, porém, de que a presente dissertação é apenas o começo para uma pesquisa maior, que se levada adiante, duraria anos e anos.
Encerro aqui, esta breve apresentação.

Obrigado!