ARTIGO VII - São Paulo, 20 de junho de 2013.
Um breve
panorama histórico das formas de governo brasileiras interpretadas à luz do
pensamento político aristotélico e sobre as manifestações nacionais que tiveram
por estopim o aumento das passagens de ônibus e a ordem que teria dado carta
branca aos policiais para agredir os manifestantes no primeiro dia de
manifestação em São Paulo.
José Chadan
Quero
iniciar este artigo com a afirmação que Aristóteles fez em uma de suas obras. Ele
disse que a finalidade última da vida de todo e qualquer ser humano é a de ser feliz.
E disse mais! Disse de que o homem é por natureza um animal político e
que, ao contrário do que muitos possam achar ou pensar, o homem é por natureza
mais cooperativo do que competitivo – a prova disto foram as manifestações
recentes em todo país. Afirmando finalmente de que o objetivo de toda a
organização política é a de proporcionar aos cidadãos, felicidade.
A
palavra política advém do termo grego
pólis, que quer dizer, cidade. A
política seria então, a gestão e administração adequada e justa de uma cidade. A
justa administração de uma cidade produziria em seus cidadãos, a sensação de
bem-estar e de felicidade.
Convido você, querido amigo leitor, a
percorrer por um breve instante, a história da política e das diversas formas
pelas quais os homens buscaram administrar a pólis (cidade) para ver qual delas
produziu “mais” felicidade.
Aristóteles em sua obra chamada, A Política, distingue o que segundo ele,
são as formas básicas de governo. Divide-as em dois grupos: as formas
degeneradas e as formas boas de governo.
As
formas degeneradas são formas onde os governantes são corruptos, governando
para seus próprios interesses, ao passo que as formas puras de governo, são as
formas onde os governantes exercem dignamente suas funções, governando para o
bem-estar de todos. A melhor forma de governo, entretanto, é a do meio,
seguindo a ideia aristotélica de que a virtude fica sempre no meio entre dois
vícios (veja a Ética à Nicômaco, de
Aristóteles).
Abaixo
indicaremos numa tabela tais formas:
Monarquia - o rei governa para o bem de todos.
Aristocracia - um pequeno grupo governa para o bem
de todos
Politéia - a melhor forma de governo segundo
Aristóteles.
Democracia - todos governam para todos.
Oligarquia - um pequeno
grupo governa para seus membros apenas.
Tirania - o
rei-tirano governa para satisfazer seus interesses.
A monarquia seria uma forma boa de governo,
mais fácil de governar a cidade, posto que feito por um homem só. Porém, se tal
rei, tomado de egoísmo e ganância, deixar de governar para o bem de todos,
olhando somente para seus interesses, a monarquia se degenera na pior forma de
governo - a tirania.
A aristocracia seria a segunda forma boa de
governo, pois que sendo um pequeno grupo, se torna mais fácil a discussão e a
tomada de decisões. Porém se tal pequeno grupo, tomado de egoísmo, começar a
governar buscando seus mesquinhos interesses, a aristocracia se degenera na
segunda forma ruim (degenerada) de governo – a oligarquia.
Passo agora a falar das formas degeneradas para
somente ao fim desta exposição, mencionar a melhor forma de governo segundo
Aristóteles e mostrar o que tudo isto tem a ver com o Brasil e os
acontecimentos mais recentes.
A democracia,
por seu turno, é uma forma degenerada de governo. Isto porque ela não governa
com vistas ao bem comum, mas ao bem da maioria. Uma coisa é o bem comum e outra
bem diferente, é o bem da maioria. Lembrando ainda, que para um grego (que
viveu na antiguidade), as mulheres, escravos e crianças não eram consideradas
cidadãs e, portanto, não participavam das decisões que diziam respeito à
cidade.
Em uma cidade, por exemplo, pode ser que o bem comum
seja que todos se locomovam de transporte coletivo, entretanto, a maioria quer
se locomover de transporte particular, por comodismo. Com este exemplo é fácil
perceber de que, o bem comum, aquilo que seria bom para o bem-estar de todos,
foi deixado para trás por causa da vontade da maioria (que muitas vezes votou e
escolheu, cada qual pensando apenas em si próprio ao invés de haver uma
discussão saudável do que seria bom para todos). Discussão e solução tomada
conjuntamente é diferente de voto e força da maioria!
E, finalmente, a Politéia seria uma forma de
governo composta, segundo Aristóteles, por duas formas degeneradas de governo:
a democracia e a oligarquia. A Politéia trata-se também de um termo que, no
contexto atual costumamos chamar de República (Cf. BOBBIO, Noberto. Dicionário de Política, p. 1107). Na
Politéia ou República, todos governam tendo em vista o bem comum. Não se
trata de voto da maioria, mas de algo parecido com a vontade geral (de Rousseau).
Como se todos se reunissem em praça pública ou no congresso, e decidissem com
igualdade de voz, o melhor rumo para cidade. O melhor para todos e não o melhor
para a maioria. Pois se exagerarmos no argumento, o melhor para uma maioria
seria uma forma de tiranizar uma minoria.
Aristóteles passa então a mencionar algumas cidades-estado
gregas, catalogando-as conforme seu esquema teórico, mostrando qual era o
regime político vigente em cada uma delas. Não entrarei em pormenores sobre
isto, mas buscarei aplicar o esquema político aristotélico na história política
do nosso país.
No Brasil tivemos algumas destas formas de governo.
Tivemos a monarquia, com D. Pedro I e II. Tivemos a Primeira Republica, que se vista de perto, configurava uma oligarquia, em que os donos
de fazenda onde se cultivavam café compravam votos e se elegiam ou elegiam
alguém próximo a eles. Tivemos a tirania (a ditadura), cujo maior exemplo foi
o presidente Costa e Silva que instituiu o AI 5 (Ato Institucional 5), dando
plenos poderes ao regime militar. Por meio do AI 5, os militares torturaram,
fecharam o Congresso, dentre muitas outras barbáries. Outrossim, o período colonial pode ser compreendido como tirânico,pois nele foram escravizados índios e negros.
E, finalmente, tivemos e temos até hoje, a
democracia. A democracia passou por diversas etapas em nosso país. Desde o voto obrigatório, o movimento pelas diretas já, os direitos dos
trabalhadores (Getúlio Vargas), a cassação de mandato do ex-presidente Collor e
muitos outros eventos importantes que marcaram a história política e
democrática do nosso país.
Se, no entanto, Aristóteles estivesse entre nós, e
desse uma olhadela no nosso histórico político, ele provavelmente diria duas
coisas: a primeira, de que decaímos politicamente, porque segundo seu esquema
teórico-político, vivíamos numa forma boa de governo - a monarquia - mas fomos
passear pelas paragens da tirania e depois, da oligarquia e da democracia. Sendo que a forma boa de governo - a antiga monarquia- não passaria de um hiato na história política brasileira. A
segunda coisa que nos diria, é de que apesar da queda, tornamos a subir, indo
da tirania até a democracia. Mas ainda assim, estaríamos vivendo numa forma
degenerada de governo.
Salvo as devidas proporções entre o sistema político
e teórico proposto por Aristóteles e a realidade concreta brasileira, é preciso
reconhecer de que a forma de administração da cidade que se tem experimentado
por todos estes 512 anos de Brasil, não nos auxiliou a alcançar a finalidade
última da vida de todo e qualquer ser humano - a de ser feliz (tal como afirma
Aristóteles e tal como todos o sabemos, instintivamente). Nossa democracia se
parece mais com uma oligarquia, onde pouco mandam e muitos obedecem e baixam a
cabeça.
Monarquia- D. Pedro I e II.
Aristocracia- não houve.
Politéia- não houve.
Democracia- Diretas Já, Collor, Mensalão e etc.
Oligarquia- Primeira República; coronelismo.
Tirania- Período colonial e ditadura militar.
As presentes reivindicações em todo país, que teve
como estopim o aumento das passagens de ônibus e a represália policial que feriu
manifestantes e jornalistas que trabalhavam no local, atestam contundentemente
nossa geral insatisfação. Não estamos felizes, nem tampouco as formas de gerir
a cidade nos tem ajudado a alcançar a meta última da vida humana- a felicidade.
Não temos qualidade de educação, de saúde, moradia e
muitos outros itens. Itens que deveriam ser direitos de todo cidadão e não algo
a ser “conquistado”. Não quero com isto desmerecer o esforço dos que
conseguiram, mas sim, enfatizar que alguns itens são direito de todo cidadão
que trabalha e paga seus impostos.
A miséria é a causa dos prejuízos e males num regime
democrático como, por exemplo, o brasileiro. É preciso achar meios para que os
pobres sejam abastecidos em suas necessidades, de maneira duradoura, pois isto será
benéfico aos próprios ricos: haverá menos violência nas ruas, menos assalto.
Porque como disse o filósofo e eu repito: A miséria é a raiz de todos os males
(cito de cabeça).
Ademais, a cidadania pressupõe isto: direitos e
deveres. Cumprindo o dever de trabalhar e produzir para o bem comum e político
da cidade, a pessoa se torna depositária do direito de receber seus benesses –
moradia, alimentação, saúde, educação e segurança.
Todos os brasileiros estão fazendo concretizar os
nossos mais profundos anseios: que os cidadãos sejam tratados com cidadania e
que os não-cidadãos, sejam tratados como quem não cumpre seus deveres e
portanto, não possui direitos. Sem deveres cumpridos e sem direitos a receber,
não se pode fazer jus ao titulo tão nobre - que muitas vezes esquecemos do
significado – CIDADÃO (note-se que neste caso não utilizo como fundamento o
texto aristotélico, pois para o pensador grego, existem distinções entre
cidadãos de nascimento, entre funcionários públicos e súditos... e por aí a
discussão se estende. O conceito de cidadania mudou muito desde a Revolução
Francesa, de modo que o conceito empregado aqui se aproxima mais deste do que
do conceito da Antiguidade Clássica).
Agora - ofegantemente e exaustos – agora sim, possamos,
nós, os brasileiros, cidadãos,... alcançar a felicidade apontada por
Aristóteles, por meio de uma administração boa dos recursos públicos, uma forma
boa de governo. Talvez não o governo da maioria, mas o governo que visa o bem
comum, o bem geral.
Que a voz trêmula e sôfrega do Brasil fale no
Congresso e seja enfim ouvida. A voz dos oprimidos, dos voluntariados (em
qualquer setor), dos professores mal pagos, dos médicos que fazem muitos
plantões para suprir suas necessidades mais básicas, das empregadas domésticas,
dos cobradores de ônibus... de todos os que cumprem seus deveres e precisariam
justamente por isto, gozar de seus direitos, fazendo jus ao titulo honorável de
cidadão brasileiro. E, quem não faz isto, não é cidadão e se coloca a si mesmo
à margem da sociedade, à margem da cidade.
Aos cidadãos que representam nossa agonia, a agonia
da democracia brasileira, e que representam o interesse e bem comum, os mais
sinceros votos de sucesso e felicidade. Os mais sinceros votos de, como diria
Aristóteles, se faça uma boa forma de governo - que governe para o bem geral e
o bem comum.
Termino aqui, minha reflexão sobre o pensamento
político aristotélico e a política atual brasileira. Rogando que a democracia
neste país, não degenere nem em oligarquia, nem em nenhuma outra forma ruim e
abusiva de governo, mas que seja de fato e de verdade, uma democracia – um
governo para o povo, com o povo e do o povo. Deixo também registrado um trecho
da obra sobre A Política, de
Aristóteles:
“A principal causa das mudanças é, nos estados
democráticos, o atrevimento dos demagogos. Caluniam os ricos uns após os outros
e os obrigam a fazer coalizões, pois o temor diante do perigo comum tem o
efeito de reconciliar os maiores inimigos. Em seguida, amotinam publicamente o
povo contra a coalizão, como se vê quase em toda parte”. (ARISTÓTELES. A Política, p. 211). E isto se aplica ao
Brasil?...
GLOSSÁRIO
Monarquia – governo
de um rei com vistas ao bem coletivo.
Aristocracia – governo
de um grupo pequeno considerado mais preparado, em vistas do bem coletivo.
Democracia – demo em grego quer dizer povo e cracia quer dizer poder. Democracia literalmente
significa poder (governo) do povo.
Oligarquia – governo
baseado no patrimônio e segundo o qual, os ricos mandam (cf. ABBAGNANO, Nicola.
Governo, Formas de. In: Dicionário de
Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 487).
Tirania – governo
do rei-tirano com vistas aos seus interesses pessoais. Segundo o dicionário de
filosofia Abagnano, a tirania surge muitas vezes do excesso de liberdade de um
governo democrático que lhe antecede.
Felicidade – “Em
geral, estado de satisfação devido à situação do mundo. Por esta relação com a
situação, a noção de Felicidade difere da bem-aventurança, que é o Ideal de
satisfação independente da relação do homem com o mundo (...)” (ABBAGNANO,
Nicola. Felicidade. Dicionário de
Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 434).
Cidadão – quem tem
deveres para cumprir e, ao cumpri-los, torna-se depositário de direitos a
receber. A cidadania consiste no binômio deveres-direitos. Caso uma pessoa só possua direitos, ela não
pode ser considerada cidadã e caso só tenha deveres, também não o pode. No
primeiro caso trata-se de um marajá, um explorador em potencial e no segundo
caso, de um escravo (ainda que veladamente pelos mecanismos sociais). #minha
definição#.
Grifo em Verde- formas boas de governo.
Grifo em Vermelho- formas corrompidas de governo.
Grifo em Vermelho- formas corrompidas de governo.
PARA SABER MAIS
SOBRE POLÍTICA EM GERAL E POLÍTICA BRASILEIRA:
ABBAGNANO,
Nicola. Dicionário de Filosofia.
Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
AQUINO;
Mittelman, Tania. A Revolta da Vacina:
vacinando a varíola e contra o povo. Rio de Janeiro: Editora Ciência
Moderna Ltda., 2003.
ARISTÓTELES. Ética
a Nicômacos. Trad., int. e notas de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora
da UnB, 1985.
ARISTÓTELES.
A Política. Trad. Roberto Leal
Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BOBBIO,
Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmen C. Varriale [et al.]; coord.
João Ferreira; revisão geral de João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Caiscais. 5º
ed. Brasilia: Editora UnB: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.
CASTRO,
Celso. A Proclamação da República.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
FAUSTO,
Boris. História Concisa do Brasil. 2º
ed., 3º reimp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.
JANOTTI,
Maria de Lourdes Monaco. Sociedade e
política na Primeira República. Coord. Maria Ligia Prado, Maria Helena
Capelato. São Paulo: Atual, 1999.
KUCINSKI,
Bernardo. O Fim da Ditadura Militar. São Paulo: Contexto, 2001.
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Ana Luiza. O Despertar da República.
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NAPOLITANO
Marcos. O regime militar brasileiro.
3º ed. Coord. Maria Helena Capelato, Maria Ligia Prado. São Paulo: Atual, 1998.
SILVA, Sérgio. Expansão
cafeeira e origens da indústria no Brasil. 8º ed. São Paulo: Editora
Alfa-Omega, 1995.
VENTURA,
Zuenir. 1968: O ano que não terminou.
3º impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
* Este é um texto livre, onde o autor mescla conhecimentos de Aristóteles com História Geral do Brasil. Trata-se de um trabalho inventivo.
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