domingo, 7 de julho de 2013

A história política brasileira interpretada segundo as categorias aristotélicas.


ARTIGO VII - São Paulo, 20 de junho de 2013.


           Um breve panorama histórico das formas de governo brasileiras interpretadas à luz do pensamento político aristotélico e sobre as manifestações nacionais que tiveram por estopim o aumento das passagens de ônibus e a ordem que teria dado carta branca aos policiais para agredir os manifestantes no primeiro dia de manifestação em São Paulo. 

    José Chadan

          
Quero iniciar este artigo com a afirmação que Aristóteles fez em uma de suas obras. Ele disse que a finalidade última da vida de todo e qualquer ser humano é a de ser feliz. E disse mais! Disse de que o homem é por natureza um animal político e que, ao contrário do que muitos possam achar ou pensar, o homem é por natureza mais cooperativo do que competitivo – a prova disto foram as manifestações recentes em todo país. Afirmando finalmente de que o objetivo de toda a organização política é a de proporcionar aos cidadãos, felicidade.
A palavra política advém do termo grego pólis, que quer dizer, cidade. A política seria então, a gestão e administração adequada e justa de uma cidade. A justa administração de uma cidade produziria em seus cidadãos, a sensação de bem-estar e de felicidade.
     Convido você, querido amigo leitor, a percorrer por um breve instante, a história da política e das diversas formas pelas quais os homens buscaram administrar a pólis (cidade) para ver qual delas produziu “mais” felicidade.

     Aristóteles em sua obra chamada, A Política, distingue o que segundo ele, são as formas básicas de governo. Divide-as em dois grupos: as formas degeneradas e as formas boas de governo.
As formas degeneradas são formas onde os governantes são corruptos, governando para seus próprios interesses, ao passo que as formas puras de governo, são as formas onde os governantes exercem dignamente suas funções, governando para o bem-estar de todos. A melhor forma de governo, entretanto, é a do meio, seguindo a ideia aristotélica de que a virtude fica sempre no meio entre dois vícios (veja a Ética à Nicômaco, de Aristóteles).



Abaixo indicaremos numa tabela tais formas:


Monarquia - o rei governa para o bem de todos.
Aristocracia - um pequeno grupo governa para o bem de todos
Politéia - a melhor forma de governo segundo Aristóteles.
Democracia - todos governam para todos.
     Oligarquia - um pequeno grupo governa para seus membros apenas.
Tirania - o rei-tirano governa para satisfazer seus interesses.



A monarquia seria uma forma boa de governo, mais fácil de governar a cidade, posto que feito por um homem só. Porém, se tal rei, tomado de egoísmo e ganância, deixar de governar para o bem de todos, olhando somente para seus interesses, a monarquia se degenera na pior forma de governo - a tirania.
A aristocracia seria a segunda forma boa de governo, pois que sendo um pequeno grupo, se torna mais fácil a discussão e a tomada de decisões. Porém se tal pequeno grupo, tomado de egoísmo, começar a governar buscando seus mesquinhos interesses, a aristocracia se degenera na segunda forma ruim (degenerada) de governo – a oligarquia.

Passo agora a falar das formas degeneradas para somente ao fim desta exposição, mencionar a melhor forma de governo segundo Aristóteles e mostrar o que tudo isto tem a ver com o Brasil e os acontecimentos mais recentes.

 A democracia, por seu turno, é uma forma degenerada de governo. Isto porque ela não governa com vistas ao bem comum, mas ao bem da maioria. Uma coisa é o bem comum e outra bem diferente, é o bem da maioria. Lembrando ainda, que para um grego (que viveu na antiguidade), as mulheres, escravos e crianças não eram consideradas cidadãs e, portanto, não participavam das decisões que diziam respeito à cidade.
Em uma cidade, por exemplo, pode ser que o bem comum seja que todos se locomovam de transporte coletivo, entretanto, a maioria quer se locomover de transporte particular, por comodismo. Com este exemplo é fácil perceber de que, o bem comum, aquilo que seria bom para o bem-estar de todos, foi deixado para trás por causa da vontade da maioria (que muitas vezes votou e escolheu, cada qual pensando apenas em si próprio ao invés de haver uma discussão saudável do que seria bom para todos). Discussão e solução tomada conjuntamente é diferente de voto e força da maioria!
E, finalmente, a Politéia seria uma forma de governo composta, segundo Aristóteles, por duas formas degeneradas de governo: a democracia e a oligarquia. A Politéia trata-se também de um termo que, no contexto atual costumamos chamar de República (Cf. BOBBIO, Noberto. Dicionário de Política, p. 1107). Na Politéia ou República, todos governam tendo em vista o bem comum. Não se trata de voto da maioria, mas de algo parecido com a vontade geral (de Rousseau). Como se todos se reunissem em praça pública ou no congresso, e decidissem com igualdade de voz, o melhor rumo para cidade. O melhor para todos e não o melhor para a maioria. Pois se exagerarmos no argumento, o melhor para uma maioria seria uma forma de tiranizar uma minoria.
Aristóteles passa então a mencionar algumas cidades-estado gregas, catalogando-as conforme seu esquema teórico, mostrando qual era o regime político vigente em cada uma delas. Não entrarei em pormenores sobre isto, mas buscarei aplicar o esquema político aristotélico na história política do nosso país.

No Brasil tivemos algumas destas formas de governo. Tivemos a monarquia, com D. Pedro I e II. Tivemos a Primeira Republica, que se vista de perto, configurava uma oligarquia, em que os donos de fazenda onde se cultivavam café compravam votos e se elegiam ou elegiam alguém próximo a eles. Tivemos a tirania (a ditadura), cujo maior exemplo foi o presidente Costa e Silva que instituiu o AI 5 (Ato Institucional 5), dando plenos poderes ao regime militar. Por meio do AI 5, os militares torturaram, fecharam o Congresso, dentre muitas outras barbáries. Outrossim, o período colonial pode ser compreendido como tirânico,pois nele foram escravizados índios e negros.  
E, finalmente, tivemos e temos até hoje, a democracia. A democracia passou por diversas etapas em nosso país. Desde o voto obrigatório, o movimento pelas diretas já, os direitos dos trabalhadores (Getúlio Vargas), a cassação de mandato do ex-presidente Collor e muitos outros eventos importantes que marcaram a história política e democrática do nosso país.

Se, no entanto, Aristóteles estivesse entre nós, e desse uma olhadela no nosso histórico político, ele provavelmente diria duas coisas: a primeira, de que decaímos politicamente, porque segundo seu esquema teórico-político, vivíamos numa forma boa de governo - a monarquia - mas fomos passear pelas paragens da tirania e depois, da oligarquia e da democracia. Sendo que a forma boa de governo - a antiga monarquia- não passaria de um hiato na história política brasileira. A segunda coisa que nos diria, é de que apesar da queda, tornamos a subir, indo da tirania até a democracia. Mas ainda assim, estaríamos vivendo numa forma degenerada de governo.

Salvo as devidas proporções entre o sistema político e teórico proposto por Aristóteles e a realidade concreta brasileira, é preciso reconhecer de que a forma de administração da cidade que se tem experimentado por todos estes 512 anos de Brasil, não nos auxiliou a alcançar a finalidade última da vida de todo e qualquer ser humano - a de ser feliz (tal como afirma Aristóteles e tal como todos o sabemos, instintivamente). Nossa democracia se parece mais com uma oligarquia, onde pouco mandam e muitos obedecem e baixam a cabeça.

Segue abaixo um esquema da história política no Brasil:


      Monarquia- D. Pedro I e II.
Aristocracia- não houve.
Politéia- não houve.
Democracia- Diretas Já, Collor, Mensalão e etc.
Oligarquia- Primeira República; coronelismo.
Tirania- Período colonial e ditadura militar.


As presentes reivindicações em todo país, que teve como estopim o aumento das passagens de ônibus e a represália policial que feriu manifestantes e jornalistas que trabalhavam no local, atestam contundentemente nossa geral insatisfação. Não estamos felizes, nem tampouco as formas de gerir a cidade nos tem ajudado a alcançar a meta última da vida humana- a felicidade.

Não temos qualidade de educação, de saúde, moradia e muitos outros itens. Itens que deveriam ser direitos de todo cidadão e não algo a ser “conquistado”. Não quero com isto desmerecer o esforço dos que conseguiram, mas sim, enfatizar que alguns itens são direito de todo cidadão que trabalha e paga seus impostos.
A miséria é a causa dos prejuízos e males num regime democrático como, por exemplo, o brasileiro. É preciso achar meios para que os pobres sejam abastecidos em suas necessidades, de maneira duradoura, pois isto será benéfico aos próprios ricos: haverá menos violência nas ruas, menos assalto. Porque como disse o filósofo e eu repito: A miséria é a raiz de todos os males (cito de cabeça).

Ademais, a cidadania pressupõe isto: direitos e deveres. Cumprindo o dever de trabalhar e produzir para o bem comum e político da cidade, a pessoa se torna depositária do direito de receber seus benesses – moradia, alimentação, saúde, educação e segurança.

Todos os brasileiros estão fazendo concretizar os nossos mais profundos anseios: que os cidadãos sejam tratados com cidadania e que os não-cidadãos, sejam tratados como quem não cumpre seus deveres e portanto, não possui direitos. Sem deveres cumpridos e sem direitos a receber, não se pode fazer jus ao titulo tão nobre - que muitas vezes esquecemos do significado – CIDADÃO (note-se que neste caso não utilizo como fundamento o texto aristotélico, pois para o pensador grego, existem distinções entre cidadãos de nascimento, entre funcionários públicos e súditos... e por aí a discussão se estende. O conceito de cidadania mudou muito desde a Revolução Francesa, de modo que o conceito empregado aqui se aproxima mais deste do que do conceito da Antiguidade Clássica).

Agora - ofegantemente e exaustos – agora sim, possamos, nós, os brasileiros, cidadãos,... alcançar a felicidade apontada por Aristóteles, por meio de uma administração boa dos recursos públicos, uma forma boa de governo. Talvez não o governo da maioria, mas o governo que visa o bem comum, o bem geral.
Que a voz trêmula e sôfrega do Brasil fale no Congresso e seja enfim ouvida. A voz dos oprimidos, dos voluntariados (em qualquer setor), dos professores mal pagos, dos médicos que fazem muitos plantões para suprir suas necessidades mais básicas, das empregadas domésticas, dos cobradores de ônibus... de todos os que cumprem seus deveres e precisariam justamente por isto, gozar de seus direitos, fazendo jus ao titulo honorável de cidadão brasileiro. E, quem não faz isto, não é cidadão e se coloca a si mesmo à margem da sociedade, à margem da cidade.

Aos cidadãos que representam nossa agonia, a agonia da democracia brasileira, e que representam o interesse e bem comum, os mais sinceros votos de sucesso e felicidade. Os mais sinceros votos de, como diria Aristóteles, se faça uma boa forma de governo - que governe para o bem geral e o bem comum.
Termino aqui, minha reflexão sobre o pensamento político aristotélico e a política atual brasileira. Rogando que a democracia neste país, não degenere nem em oligarquia, nem em nenhuma outra forma ruim e abusiva de governo, mas que seja de fato e de verdade, uma democracia – um governo para o povo, com o povo e do o povo. Deixo também registrado um trecho da obra sobre A Política, de Aristóteles:
“A principal causa das mudanças é, nos estados democráticos, o atrevimento dos demagogos. Caluniam os ricos uns após os outros e os obrigam a fazer coalizões, pois o temor diante do perigo comum tem o efeito de reconciliar os maiores inimigos. Em seguida, amotinam publicamente o povo contra a coalizão, como se vê quase em toda parte”. (ARISTÓTELES. A Política, p. 211). E isto se aplica ao Brasil?...

GLOSSÁRIO

Monarquia – governo de um rei com vistas ao bem coletivo.
Aristocracia – governo de um grupo pequeno considerado mais preparado, em vistas do bem coletivo.
Democraciademo em grego quer dizer povo e cracia quer dizer poder. Democracia literalmente significa poder (governo) do povo.
Oligarquia – governo baseado no patrimônio e segundo o qual, os ricos mandam (cf. ABBAGNANO, Nicola. Governo, Formas de. In: Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 487).
Tirania – governo do rei-tirano com vistas aos seus interesses pessoais. Segundo o dicionário de filosofia Abagnano, a tirania surge muitas vezes do excesso de liberdade de um governo democrático que lhe antecede.

Felicidade – “Em geral, estado de satisfação devido à situação do mundo. Por esta relação com a situação, a noção de Felicidade difere da bem-aventurança, que é o Ideal de satisfação independente da relação do homem com o mundo (...)” (ABBAGNANO, Nicola. Felicidade. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 434).
Cidadão – quem tem deveres para cumprir e, ao cumpri-los, torna-se depositário de direitos a receber. A cidadania consiste no binômio deveres-direitos.  Caso uma pessoa só possua direitos, ela não pode ser considerada cidadã e caso só tenha deveres, também não o pode. No primeiro caso trata-se de um marajá, um explorador em potencial e no segundo caso, de um escravo (ainda que veladamente pelos mecanismos sociais). #minha definição#.
Grifo em Verde- formas boas de governo.
Grifo em Vermelho- formas corrompidas de governo.


PARA SABER MAIS SOBRE POLÍTICA EM GERAL E POLÍTICA BRASILEIRA:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
AQUINO; Mittelman, Tania. A Revolta da Vacina: vacinando a varíola e contra o povo. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna Ltda., 2003.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad., int. e notas de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora da UnB, 1985.
ARISTÓTELES. A Política. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmen C. Varriale [et al.]; coord. João Ferreira; revisão geral de João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Caiscais. 5º ed. Brasilia: Editora UnB: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.
CASTRO, Celso. A Proclamação da República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. 2º ed., 3º reimp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Sociedade e política na Primeira República. Coord. Maria Ligia Prado, Maria Helena Capelato. São Paulo: Atual, 1999.
KUCINSKI, Bernardo. O Fim da Ditadura Militar.  São Paulo: Contexto, 2001.
MARTINS, Ana Luiza. O Despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001.
NAPOLITANO Marcos. O regime militar brasileiro. 3º ed. Coord. Maria Helena Capelato, Maria Ligia Prado. São Paulo: Atual, 1998.
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. 8º ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1995.
VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. 3º impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

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* Este é um texto livre, onde o autor mescla conhecimentos de Aristóteles com História Geral do Brasil. Trata-se de um trabalho inventivo. 

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