Texto produzido em parceria com meu pai.
Citamos a dor como sensação/percepção sensorial e falamos do sofrimento como percepção psíquica/ resposta da psique; sentimento que por sua vez desencadeia um processo de interação da psique e do intelecto, gerando assim os sentimentos de ansiedade, tristeza, aflição, angústia, progressivamente. O sofrimento provoca uma resposta do intelecto para a solução do incômodo, que não lograda repercute num novo sentimento, a ansiedade, que por sua vez requer a resposta do intelecto, que frustada, repercute na psique gerando um novo sentimento, a tristeza e de novo uma nova resposta do intelecto; e assim vamos até chegar a solução do incômodo ou então à angústia; e de novo a solução do incômodo ou ao desespero e falência desta relação dialética (diálogo) entre as duas percepções (psíquica e intelectual).
Um fenômeno interior e não necessariamente um objeto
exterior pode desencadear o mesmo processo. Se nosso intelecto detecta a
possibilidade futura de um acontecimento desfavorável, esta pré-ocupação
provoca em nossa psique o mesmo sentimento causado pela sensação de dor, ou
seja, o sofrimento, e assim, começa uma seqüência dialética- um dialogo entre a
psique e o intelecto. No caso do sofrimento causado pela dor, o processo teve
início por um objeto exterior e no caso da pré-ocupação, por um objeto
interior, o intelecto lança sobre nós o objeto interior/pensamento o qual, de
certa forma vem se associar ao objeto exterior, porque ambos representam ameaça
a nossa vida- o primeiro causando a sensação de dor e o segundo a representação
intelectual da mesma.
Tanto num como
no outro caso, não obtendo a resposta/solução que lhe satisfaça, a psique pode
enveredar para a sucumbência e colapso, ou procurar a solução através de um
sentimento de gênese mítica que não mais dialoga com o intelecto e sim com uma
instancia supra-racional; sentimento este chamado fé, de cuja
dicotomia com a razão se fez, desde a idade média até nossos
dias, objeto de profundas indagações filosóficas. Visto sob o ponto de vista do
processo dialético da psique/intelecto, a fé não tira da razão a sua validade e
importância nos processos do conhecimento, mas a limita subtraindo-lhe a
supremacia e autoridade total.
É digno de nota que o mesmo
processo dialético, dessa vez desencadeado por um pensamento e não mais por uma
sensação, não seria possível sem a ação de um dos mais importantes recursos de
nossa inteligência, chamado imaginação.
O intelecto
extrai da memória as imagens que a priori pertencem ao mundo exterior e
num ato puramente intelectual os processa livremente, associando, dissociando,
separando, juntando, combinando, formando, deformando e tudo o mais que se
possa imaginando fazer, atributo distintivo do homem chamado criatividade,
que lhe dá o poder de agir sobre o mundo exterior/real, modelando-o segundo os
padrões que cria em seu intelecto/interior. Não se dando por satisfeito com o
que recebe naturalmente, o homem transforma o mundo real/exterior conforme o
modelo ideal (interior/imaginário) que cria em si .
A nossa imaginação não só busca representar a
realidade e o mundo como é ou como se nos apresenta, mas através da
criatividade que possui, se lança a representar o mundo tal como deveria ser.
Enquanto os animais buscam adaptação natural ao mundo, o homem busca antes
adaptar o mundo aos modelos que cria em seu imaginário mundo interior.
Nossa
imaginação nos habilita a fabricar
objetos e instrumentos de transformação da realidade, pois é certo que a
encontramos de determinada maneira, e contudo, queremos moldá-la conforme
desejamos que seja. Nossa imaginação nos habilita também a elaborar um mundo
imaginário que venha a modelar os nossos padrões de comportamento. O pensamento
mítico que a primeira vista parece fantasia da imaginação primitiva do homem, ainda
hoje se mantém atuante entre nós, variando apenas em seu conteúdo de imagens e
modelos e não de gêneses e finalidades.
A representação das forças da natureza encarnadas em
figuras humanizadas que, apesar de sobrenaturais formam uma sociedade espelhada
na dos homens, pode ser uma tentativa de representar a sociedade como ela é,
emprestando das forças da natureza as suas interações orgânicas para remetê-las
a imagem que fazemos da sociedade como organismo e não simples agrupamento de
pessoas, organismo este que precisa ser dotado de um ideal, de uma finalidade,
ou seja, de um destino. Assim surgem os modelos míticos de homens e mulheres e
de sociedades perfeitas, bem como de heróis e arquétipos que habitam a
consciência humana desde a era antiga, exercendo cada um a função moral e
social a que veio realizar dotando a sociedade humana de um destino e uma
finalidade; uns permanecendo até nossos dias, outros dando lugar a novos mitos,
ou se vestindo de nova roupagem. A ciência por exemplo, com suas conquistas
recentes reivindica para si o status do grande mito, o mito que transforma o
mundo, daquilo que é para aquilo que deve ser. A razão por sua vez a cada dia
mais valorizada, não abre mão de sua autoridade competindo com a fé a posse e o
governo de nossa consciência.
Ao contrário do que se diz, o pensamento mítico não é
anterior nem inferior ao pensamento racional, trata-se de dois processos cada
qual com suas funções, trabalhando juntos em contínua e mútua interação- tendo
os dois surgido e se desenvolvido paralelamente e não como tendem a abstraí-los
como revéis e discordes um do outro.
O diálogo da psique com o intelecto, chegando ao
impasse, o próprio intelecto que em seus recursos dispõe da imaginação sugere à
psique que busque a solução numa instância posterior imaginária. Se esta
instância da consciência existe ou não, por ser de natureza supra-racional,
logo escapa a análise da razão/intelecto e é forçosamente remetida de volta aos
domínios da fé.
O nosso mundo imaginário e interior quando adquire a
dimensão mítica passa a abarcar sentimentos como justiça, beleza, amor,
amizade, sagrado, entre outros sentimentos que são igualmente pensamentos da
mente mítica- a sagração do imaginário humano, o Mundo das Idéias como queria
Platão. Tanto a República de Platão como a Utopia de Thomas More e a própria
Sião Celestial da Bíblia, bem como o ideal de sociedade comunista de Karl Marx,
são na verdade representações em nossas consciências de um futuro mítico e
glorioso de como queremos que o mundo seja, contra tudo que o mundo é, pelo que
cada sistema destes pensamentos míticos nos oferece suas receitas para
alcançar-lhes os ideais.
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