José Chadan
A Nuvem do Não-Saber,
obra que escolhi para fazer minha dissertação de mestrado, é uma obra que data
de fins do século 14, tendo sido escrita por um autor cuja identidade é
desconhecida; não obstante, os
especialistas e comentadores da obra são unanimes em sugerir que ele teria sido
um homem religioso. Talvez um padre, um teólogo, ou mesmo um monge da ordem dos
cartuxos, mas sem dúvida alguma, um homem religioso que vivenciou a
religiosidade tal como esta se apresentava ao mundo no fim do período medieval
- na Inglaterra (lugar onde teria vivido o autor).
Acerca
do título da obra – A Nuvem do Não-Saber
– é preciso dizer que o termo nuvem, faz
referência ao episódio onde Moisés sobe ao monte Sinai para receber as tábuas
da lei, sendo coberto por uma grande nuvem durante seis dias. Após o que, Deus
lhe aparece do meio da nuvem. O termo não-saber, faz referência a uma
importante frase de São Dionísio em sua famosa obra Os Nomes Divinos, que servirá de fundamento para toda a tradição
apofática e toda a teologia negativa. Dionísio afirma de que o conhecimento
mais divino sobre Deus é o desconhecimento de Deus. O cartuxo por sua vez, afirma
que tudo que diz e escreve em A Nuvem do
Não-Saber, encontra-se respaldado por esta afirmação de São Dionísio.
O tema principal da obra, a vida
contemplativa e como, por meio dela, a alma se une a Deus. Em A Nuvem do Não-Saber, o monge cartuxo
estaria ensinando a um jovem discípulo como abraçar a vida contemplativa. A
vida contemplativa se baseia fundamentalmente em uma interpretação do episódio evangélico
em que Jesus entra na casa de Marta e Maria. Enquanto Marta se preocupa em
preparar uma refeição para servir a Jesus, Maria senta-se tranquilamente para
ouvi-lo. Jesus, então, repreende Marta e aprova Maria, dizendo que esta escolheu
a melhor parte. Maria tornou-se desde então, aquela que representa a vida
contemplativa e Marta, aquela que representa a vida ativa.
A
vida contemplativa se caracteriza pelo silêncio, solidão e, nas palavras do
cartuxo, por um impulso cego de amor em direção a Deus. Deus este, que não pode
ser conhecido pela via racional, tal como pretendiam os escolásticos, mas que
só pode ser “conhecido”, pelo completo abandono das faculdades racionais e por um
impulso secreto de amor. Sendo assim, o amor é o único elemento capaz de unir a
alma a Deus. Ao passo que a vida ativa, se caracteriza pelas sete obras
corporais de caridade e misericórdia, aludidas no capítulo oitavo de A Nuvem.
A
vida contemplativa, de acordo com toda a tradição medieval, teria três
degraus. Na base, estaria a vida ativa, correspondendo
ao primeiro degrau, que se caracteriza em o cristão executar obras de caridade
e de misericórdia. No segundo degrau – uma espécie de meio termo entre uma
forma de vida e outra – o cristão medita
sobre a paixão do Senhor, sua morte e as doçuras do céu. Finalmente, no
terceiro degrau está a própria vida contemplativa, onde o cristão, com um
impulso amoroso, alcança comunhão com Deus e perfura, por assim dizer, a
espessa nuvem do não-saber.
A
vida contemplativa é constituída por três aspectos: a leitura dos textos
sagrados, a meditação em tais textos, e a oração breve que penetra os céus, como
mostra o autor no capítulo 35 da obra.
Segundo
o autor, a vida contemplativa é superior à vida ativa. Tangenciando o mote
central da via contemplativa, em que a alma se une a Deus por meio do silêncio,
solidão, oração e amor, o autor ensina também sobre o engano da curiosidade, os
perigos da inteligência natural, o repúdio pelo saber livresco, a necessidade
de esquecer tudo o que há na terra, no céu e debaixo da terra, quando se
pretende abraçar o referido trabalho da contemplação.
O
monge cartuxo não está sozinho ao defender esta forma peculiar de contemplação
e de vida. Antes, ele faz parte de um importante movimento de misticismo que
tomou boa parte da Europa nos fins do medievo. Dentre alguns nomes, vale mencionar:
Walter Hilton, Juliana de Norwich, Ruysbroeck, dentre outros. Todos estes,
defendendo algo semelhante ao que o cartuxo defendia – a união com Deus por meio não do
conhecimento racional, mas unicamente, por meio do amor, - indo contra a
excessiva racionalização dos escolásticos que não mais atendiam os anseios e
necessidades dos fiéis. Datam desta época,
diversos grupos místico e religiosos de pessoas que pretendiam viver uma vida
de silêncio, solidão e união amorosa com Deus
Muito
embora, na época em que surgiu o movimento místico em toda Europa, ele tenha
sido considerado pela ortodoxia da igreja católica como sendo um movimento
herético, é preciso frisar que todo este movimento se respaldou em importantes
pensadores cristãos, como Guigo II, São Dionísio, Orígenes, Clemente de
Alexandria, Gregório de Nissa, dentre
outros.
O
movimento místico foi por um lado, fruto de crises estruturais internas dentro
da própria igreja católica e fruto de um período de guerras, calamidades e
pestes; fruto, também, da insatisfação generalizada com a racionalização
exagerada dos escolásticos, que não mais satisfazia nem respondia
satisfatoriamente ao que os fiéis buscavam.
Ao
final do trabalho dissertativo, busquei mostrar ou pelo menos indicar como os
ensinamentos propostos pelo monge cartuxo, teriam algo a dizer a nós, homens e
mulheres do século 21. Como as correntes de psicologia interpretaram o fenômeno
místico, a diferença entre vida contemplativa no medievo e hoje, a experiência
mística como ampliação da consciência e aproximações entre a contemplação
cristã e o zen budismo. Tendo consciência, porém, de que a presente dissertação
é apenas o começo para uma pesquisa maior, que se levada adiante, duraria anos
e anos.
Encerro
aqui, esta breve apresentação.
Obrigado!
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