quinta-feira, 5 de setembro de 2013

APRESENTAÇÃO PARA A DEFESA PÚBLICA


José Chadan

A Nuvem do Não-Saber, obra que escolhi para fazer minha dissertação de mestrado, é uma obra que data de fins do século 14, tendo sido escrita por um autor cuja identidade é desconhecida; não obstante,  os especialistas e comentadores da obra são unanimes em sugerir que ele teria sido um homem religioso. Talvez um padre, um teólogo, ou mesmo um monge da ordem dos cartuxos, mas sem dúvida alguma, um homem religioso que vivenciou a religiosidade tal como esta se apresentava ao mundo no fim do período medieval - na Inglaterra (lugar onde teria vivido o autor).
Acerca do título da obra – A Nuvem do Não-Saber –  é preciso dizer que o termo nuvem, faz referência ao episódio onde Moisés sobe ao monte Sinai para receber as tábuas da lei, sendo coberto por uma grande nuvem durante seis dias. Após o que, Deus lhe aparece do meio da nuvem. O termo não-saber, faz referência a uma importante frase de São Dionísio em sua famosa obra Os Nomes Divinos, que servirá de fundamento para toda a tradição apofática e toda a teologia negativa. Dionísio afirma de que o conhecimento mais divino sobre Deus é o desconhecimento de Deus. O cartuxo por sua vez, afirma que tudo que diz e escreve em A Nuvem do Não-Saber, encontra-se respaldado por esta afirmação de São Dionísio.
            O tema principal da obra, a vida contemplativa e como, por meio dela, a alma se une a Deus. Em A Nuvem do Não-Saber, o monge cartuxo estaria ensinando a um jovem discípulo como abraçar a vida contemplativa. A vida contemplativa se baseia fundamentalmente em uma interpretação do episódio evangélico em que Jesus entra na casa de Marta e Maria. Enquanto Marta se preocupa em preparar uma refeição para servir a Jesus, Maria senta-se tranquilamente para ouvi-lo. Jesus, então, repreende Marta e aprova Maria, dizendo que esta escolheu a melhor parte. Maria tornou-se desde então, aquela que representa a vida contemplativa e Marta, aquela que representa a vida ativa.
A vida contemplativa se caracteriza pelo silêncio, solidão e, nas palavras do cartuxo, por um impulso cego de amor em direção a Deus. Deus este, que não pode ser conhecido pela via racional, tal como pretendiam os escolásticos, mas que só pode ser “conhecido”, pelo completo abandono das faculdades racionais e por um impulso secreto de amor. Sendo assim, o amor é o único elemento capaz de unir a alma a Deus. Ao passo que a vida ativa, se caracteriza pelas sete obras corporais de caridade e misericórdia, aludidas no capítulo oitavo de A Nuvem.
A vida contemplativa, de acordo com toda a tradição medieval, teria três degraus.  Na base, estaria a vida ativa, correspondendo ao primeiro degrau, que se caracteriza em o cristão executar obras de caridade e de misericórdia. No segundo degrau – uma espécie de meio termo entre uma forma de vida e outra –  o cristão medita sobre a paixão do Senhor, sua morte e as doçuras do céu. Finalmente, no terceiro degrau está a própria vida contemplativa, onde o cristão, com um impulso amoroso, alcança comunhão com Deus e perfura, por assim dizer, a espessa nuvem do não-saber.
A vida contemplativa é constituída por três aspectos: a leitura dos textos sagrados, a meditação em tais textos, e a oração breve que penetra os céus, como mostra o autor no capítulo 35 da obra.
Segundo o autor, a vida contemplativa é superior à vida ativa. Tangenciando o mote central da via contemplativa, em que a alma se une a Deus por meio do silêncio, solidão, oração e amor, o autor ensina também sobre o engano da curiosidade, os perigos da inteligência natural, o repúdio pelo saber livresco, a necessidade de esquecer tudo o que há na terra, no céu e debaixo da terra, quando se pretende abraçar o referido trabalho da contemplação.
O monge cartuxo não está sozinho ao defender esta forma peculiar de contemplação e de vida. Antes, ele faz parte de um importante movimento de misticismo que tomou boa parte da Europa nos fins do medievo. Dentre alguns nomes, vale mencionar: Walter Hilton, Juliana de Norwich, Ruysbroeck, dentre outros. Todos estes, defendendo algo semelhante ao que o cartuxo  defendia – a união com Deus por meio não do conhecimento racional, mas unicamente, por meio do amor, - indo contra a excessiva racionalização dos escolásticos que não mais atendiam os anseios e necessidades dos fiéis.  Datam desta época, diversos grupos místico e religiosos de pessoas que pretendiam viver uma vida de silêncio, solidão e união amorosa com Deus
Muito embora, na época em que surgiu o movimento místico em toda Europa, ele tenha sido considerado pela ortodoxia da igreja católica como sendo um movimento herético, é preciso frisar que todo este movimento se respaldou em importantes pensadores cristãos, como Guigo II, São Dionísio, Orígenes, Clemente de Alexandria, Gregório de Nissa,  dentre outros.
O movimento místico foi por um lado, fruto de crises estruturais internas dentro da própria igreja católica e fruto de um período de guerras, calamidades e pestes; fruto, também, da insatisfação generalizada com a racionalização exagerada dos escolásticos, que não mais satisfazia nem respondia satisfatoriamente ao que os fiéis buscavam. 
Ao final do trabalho dissertativo, busquei mostrar ou pelo menos indicar como os ensinamentos propostos pelo monge cartuxo, teriam algo a dizer a nós, homens e mulheres do século 21. Como as correntes de psicologia interpretaram o fenômeno místico, a diferença entre vida contemplativa no medievo e hoje, a experiência mística como ampliação da consciência e aproximações entre a contemplação cristã e o zen budismo. Tendo consciência, porém, de que a presente dissertação é apenas o começo para uma pesquisa maior, que se levada adiante, duraria anos e anos.
Encerro aqui, esta breve apresentação.

Obrigado!





                        

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