sábado, 10 de agosto de 2013

O CORRETO DEVER DE AMAR


José Chadan

No capitulo II das Obras Do Amor intitulado ‘ Tu Deves Amar’, Kierkegaard discorre sobre o segundo mandamento novo testamentário, que diz: “ tu deves amar o teu próximo como a ti mesmo”.  Contudo, devemos notar de que tal mandamento contém em si uma premissa, a de que todo ser humano ama a si mesmo. Porém, para que possamos amar nosso próximo, precisamos primeiro, amar corretamente a nós mesmos.
            Será que quando o sujeito superocupado gasta seu tempo e sua força ao serviço de empreendimentos passageiros e vãos, buscando ganhar dinheiro como se este fosse o sentido supremo da vida e o maior dos bens, ele está se amando da maneira certa? Será que quando o sujeito leviano se lança nas loucuras do instante, bebendo ou fumando, ou dirigindo seu carro feito doído, como se a vida não valesse nada, ele está se amando corretamente? Ou será que está se amando corretamente o sujeito melancólico que por algum motivo quer se livrar de sua vida?  Ou ainda, será que quando um ser humano traído se entrega ao desespero, ele aprendeu a amar corretamente a si mesmo? Pois qual a culpa dele a não ser o seu próprio desespero?
            Com estes exemplos, percebemos claramente que um sujeito que não se ama corretamente, tão pouco poderá amar seu próximo como a ele mesmo, pois não amar-se corretamente, em última instância, significa, não se amar! Um sujeito que gasta sua vida em empreendimentos para conseguir dinheiro e mais dinheiro, em última instância, não se ama, ama o dinheiro, pois prefere este à própria vida, pois por este é capaz de perder o sono, perder a saúde, perder a paz e perder até mesmo a vida. Um sujeito que vive levianamente, bebendo exageradamente, fumando exageradamente ou dirigindo o carro feito doído, em última instância não se ama, e nem ama a bebida ou o cigarro, ele no fundo não vê sentido na vida e se entregou aos vícios que a longo prazo o levarão à morte, porque no fundo, o que ele quer não é viver, o que ele quer mesmo, é morrer. Um sujeito que quer se suicidar... este eu prefiro poupar de comentar. E por fim, um sujeito que traído, se entrega ao desespero, em última instância não se ama; ele ficou de tal modo preso ao que os outros sentem por ele, que se ninguém o amar, ele não consegue se amar; se ninguém enxergar nele nada de bom, ele não consegue enxergar.
            Chegamos aqui a um ponto: amar ao próximo equivale a amar a si mesmo corretamente. Agora cabe saber quem é o nosso próximo. Na parábola do Bom Samaritano (Lc 10,36), o evangelho deixa claro de que o próximo é justamente, aquele que no sentido literal do termo “está próximo”, não importando se este é levita, sacerdote ou samaritano. Pois se por um lado o levita e o sacerdote estavam mais próximos do homem que fôra ferido pelos salteadores, contudo, não fizeram nada para ajuda-lo, para se fazerem de fato próximos dele; já o samaritano, que por preconceitos estaria distante do ferido, este contudo ajudou-o, se fazendo próximo dele. O próximo então é aquele que está perto, está próximo, é portanto todo e qualquer homem. No entanto, o que parece realmente importar, não é saber quem é o nosso próximo, mas é reconhecer o nosso dever de amar o próximo e assim, nos fazermos próximos do outro. O levita esteve próximo do ferido e não se fez próximo dele, o sacerdote esteve próximo do ferido igualmente, e não se fez próximo dele, entretanto, o samaritano esteve próximo do ferido, e se fez próximo dele.
            Então, quando reconhecemos o nosso dever de amar o próximo, é-nos fácil reconhecer quem é o nosso próximo. E não se trata apenas de reconhecer quem é o nosso próximo, mas de nos fazermos próximos dele, cumprindo assim o nosso dever de amar a todos os que nos estiverem próximos. Em outras palavras, quando Cristo fala de próximo, ele o fala em dois sentidos: próximo no sentido literal, isto é, de estar perto fisicamente, e próximo no sentido ético, para auxiliar, ajudar, e mais propriamente, para amar.  Para reconhecermos o nosso próximo temos de olhá-lo no sentido literal, mas para cumprirmos o nosso dever de amá-lo, temos de olhá-lo  no sentido ético.
            O amor ao próximo se constitui num dever, ou seja, ele independe de predileção ou de inclinação, em outras palavras, ele independe do objeto amado, pois a única coisa da qual ele depende é do dever. Não importa se o amado o amará reciprocamente ou não, ou até mesmo se o odiará, pois o amor permanece inalterado. O amor ao próximo não é ciumento, pois não importa se o amado o amará mais ou menos que outrem, o amor permanece inalterado. O amor ao próximo não se desespera ao ver que o amado dele se afasta, pois ele não busca nada além do próprio amor, nada além do próprio dever.
            Concluímos portanto, que para ser possível o amor ao próximo, é preciso que haja o correto amor de si mesmo, pois amar ao próximo como a si mesmo, equivale a amar a si mesmo corretamente; e de que o amor é um dever, ficando portanto inalterado face ao objeto amado, amando assim incondicionalmente!
           
                                                                                                      

3 comentários:

  1. Boa noite José. Entrei em uma discussão dias destes em decorrência do mesmo tema "amar o próximo como a ti mesmo", foi muito bom ter vindo aqui e saber sua opinião, quase uma coincidência rs.
    Nossa discussão se baseou na segunda parte da frase "como a ti mesmo", eu concordo com sua opinião a respeito da primeira parte, mas a segunda ainda é contraditória para mim. Será que devemos sempre basear nossas atitudes por nós mesmos? Somos tão bons assim para nos dar como exemplo? Será que eu defino como amor é semelhante ao que o meu próximo define? Posso substituir esta expressão por "Deus/Jesus/Buda" ou algum líder religioso que não faria mais sentido? Posso amar como a mim mesmo ou devo amar como imagino que seja o mais generoso e possível no momento?
    Enfim, estas foram as indagações. Acompanho seus textos no site do Fred e acho incrível, meus parabéns.
    Se puder discorrer sobre estes assuntos vai ser ótimo.
    Um grande abraço, Danubya.

    ResponderExcluir
  2. Boa tarde, Danubya.

    Obrigado pela apreciação dos textos e comentário.Tentarei responder suas dúvidas naquilo que souber:

    Em primeiro lugar, vale dizer que esta não é minha opinião e sim, minha leitura e interpretação de uma importante obra do filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard, intitulada Obras do Amor. Recomendo a leitura.
    Kierkegaard diz que o amor, do ponto de vista cristão, é antes de tudo, um dever. Quando Jesus diz "tu DEVES amar o próximo como a ti mesmo". Portanto, o amor não estaria tanto para um sentimento, mas sim, para um imperativo ético que ordena amar ao próximo. Já, no referido " ti mesmo", [ e agora digo eu, não Sören], acredito que teria mais a ver com a afirmação de Jesus, quando este diz que os homens que são pais, mesmo sendo maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, de tal maneira que, mesmo não sendo referência na qual se possa fundamentar uma atitude, todavia sabem, o que é bom para os filhos. Do mesmo modo, nós, todos, apesar de sermos maus, sabemos o que é tratar bem aos outros e ao próximo.

    No que diz respeito as definições do amor, existiriam basicamente 4 tipos: eros, philia, estorge e ágape. Sendo o amor cristão, o ágape. Recomendo meu artigo publicado em Sobre a Vida, intitulado As quatro formas de amar. Porém, se você estiver se referindo a imagem que cada indivíduo faz do amor, então, cairemos para a área da fenomenologia e/ou nos limites da linguagem. Deste modo, é claro que a imagem que um indivíduo faz do amor é uma, e a que outro faz, é outra. No limite, sendo incomunicável e incompatíveis tais imagens ou definições.

    Outrossim, não é possível substituir a expressão 'amor' por 'Jesus, Buda, Deus', pois etimologicamente, elas provêm de raízes distintas. Para se pensar corretamente faz-se necessário começar a argumentação pelo sentido primeiro de cada termo. Sendo assim, do ponto de vista lógico, não se pode substituir tais termos, resguardando assim, a coerência interna do discurso. Jesus vem da palavra Yeshua, Buda quer dizer, o iluminado e Deus é um termo que vai sendo definido e re-definido ao longo da história das ideias segundo cada pensador e tradição. Vê-se assim, que os termos que querem dizer 'amor' possuem raízes etimológicas distintas e não lhes podem ser equivalentes.

    Quanto a amar a si mesmo, penso que deva fazê-lo do melhor modo que conseguir, sem no entanto, se cobrar demais a ponto de gerar sentimento de culpa. Fazendo tudo de forma saudável, para não enlouquecer. Lembre que o amor que é ensinado pelos evangelhos é um amor que perdoa, que aceita o outro pelo simples fato de ele existir e ESTAR PRÓXIMO. Não sendo preciso sacrifícios ou algo que o valha, para ser digno de amor e mormente, do amor de Deus.

    Um abraço e boa sorte em sua caminhada,
    José Chadan

    ResponderExcluir
  3. Parabéns!

    Li os seus textos (7 pecados capitais) no blog "Sobre a Vida" e adorei. Vim aqui conhecer este que foi recomendado no final dos textos. Gostei muito!

    Que Deus lhe abençoe imensamente.

    Abraços!

    ResponderExcluir