sábado, 10 de agosto de 2013

APRESENTAÇÃO DO T.G.I.

O INDIVÍDUO EM SÖREN AAYBE KIERKEGAARD

No meu trabalho de conclusão de curso, escolhi dissertar sobre um tema, que durante muito tempo, fora desprezado pela tradição filosófica. A saber, o tema do Indivíduo. Tendo este fato em vista, comecei por fazer um panorama acerca da história. O Indivíduo; deste a Idade Antiga, passando pela Idade Média, e Moderna, até chegar à Idade Contemporânea; e tudo isto, para saber, qual foi a contribuição do Filósofo, no que diz respeito a tal conceito.
O Indivíduo é o conceito principal e fundante da obra kierkegaardiana. E para melhor entendê-lo, retomo aqui, o sentido epstemológico da palavra. A palavra Indivíduo, tomada no seu radical, significa indivisível. Ela pode ter basicamente dois sentidos: O primeiro, lógico; sendo a espécie, que não é divisível por nada. Ou, no sentido físico, sendo a matéria, também, indivisível. Porém, o Indivíduo do qual quero falar, não é nenhum destes; ele é sim, o Indivíduo no sentido existente. Ele é, este ou aquele Indivíduo, com suas maneiras de pensar e de ser, muito próprias, particulares e peculiares. É de tal modo, que apreende subjetivamente o mundo e fenomenologicamente os objetos e as coisas e os outros indivíduos. Ele é um ser fenomênico e suas principais faculdades são: a subjetividade, a interioridade e a verdade. Conceitos estes, que confluem entre si. Sendo a subjetividade e a interioridade, capacidades muito particulares, do Individuo apreender o mundo e as coisas. Tal apreensão é para ele, a verdade.
Mas por que Kierkegaard fundamenta sua filosofia no conceito de Indivíduo? Para responder esta pergunta, devo me reportar ao último dos filósofos da tradição clássica, a saber, Hegel. A filosofia de Hegel é uma filosofia sistemática. Ela abole, por assim dizer, toda e qualquer distinção entre Deus, o mundo e o Indivíduo; tudo fazendo parte do sistema e perfeitamente engajados, de modo a manifestar o Espírito Absoluto.
Em Hegel, a distinção desses três aspectos da realidade, é suprassumida; pois Deus está no mundo, assim como o mundo em Deus, e ambos no Indivíduo. No fim das contas, falar em Indivíduo em Hegel é quase um sofisma, pois para Hegel; o que existe não é o Indivíduo isolado, mas é a somatória dos indivíduos que formam o Estado. Tal, funcionando como uma máquina, como um sistema mesmo; no qual, uma parte (seja ela qual for) tem conexão direta com todas as outras.
Hegel mesmo, chegou perto de deificar o Estado em detrimento do Indivíduo livre. Afirmou de que o Indivíduo tem o dever de se expressar, como se ele não tivesse necessidade de ter vida subjetiva, ou interior, ou algo que guardasse só com ele. Sua vida deveria ser um livro aberto, já que ele não tem nada a esconder e já que ele, o Indivíduo, se manifesta segundo o universal, o geral- segundo as leis e normas do Estado. E isto significa afirmar de que a missão do Individuo reside em exprimir-se constantemente, em livrar-se do seu caráter de Indivíduo para alcançar a generalidade.
Ora,, à esse emaranhado que é o sistema hegeliano, Kierkegaard se insurge. Propondo um novo conceito- o conceito de paradoxo. As tensões dialéticas irredutíveis a uma síntese. As oposições absolutas que não se dissolvem, mas permanecem em tensão dialética. Tais como finito e infinito, liberdade e necessidade, razão e fé, pensamento e existência etc. Seria forçoso tentar sintetizar qualquer um destes termos citados.
Em Kierkegaard, não se trata de absorver a existência num pensamento teórico, e sim de viver concretamente a existência. Não se trata de resolver todas as diferenças entre os indivíduos por meio ou no Espírito Absoluto, e sim de focar as diferenças, advindas da subjetividade de cada um. Não é possível incorporar a existência num sistema, no máximo, é possível incorporar nele, a idéia da existência.  Há um abismo imenso entre o Individuo em sua particularidade e o Espírito Absoluto.
É evidente que a universalidade e a racionalidade tem o seu valor, porém não se pode sacrificar o Indivíduo em prol disto; pois a universalidade se dá no âmbito da intelectualidade e o Individuo, no âmbito da existência. O pensar segundo Kierkegaard, tem então, de harmonizar, intelecto, vontade e ação. Caso contrário, estaria divorciado da existência. E um pensar que não se volta a existência, é um pensar inativo, vazio e sem sentido.
A existência mesma, se dá no movimento e dialeticamente a partir da escolha existencial de cada Individuo. A escolha é de acordo à verdade apreendida subjetivamente por cada um. Logo, a verdade não é uma equação entre ser e pensar, posto que é subjetiva; um compromisso pessoal do Individuo com sua própria existência; é um pensar que se desdobra no agir, ou no ser; ou melhor, é um pensar simultâneo e portanto indissociável ao ser. É como não saber o que faço primeiro quando me levanto e pego um objeto. Eu penso e depois levanto, levanto e depois penso, ou faço os dois simultaneamente? Kierkegaard diria que se faz os dois simultaneamente.
De que adianta conhecer a ordem objetiva das coisas e dos fenômenos, ou o que quer que seja, se isso não mudar a minha vida como Individuo que sou. O que adianta teorizar acerca do Estado ou da Historia, se isso não me ajudar concretamente a modificar e melhorar a minha vida? Se eu não trouxer esse conhecimento para o plano prático e existencial? No fundo o que Kierkegaard diz é que se a filosofia não nos ajuda a viver melhor, se ela não se volta à vida mesma e as escolhas existenciais, ela de nada serve. Portanto, o que é necessário não é conhecer a verdade, ou o sistema, ou isto ou aquilo, mas é ver se tais coisas podem ser introduzidas na existência. E é justamente por esse motivo que não encontramos em Kierkegaard um pensamento sistemático, que nos leve a conclusões lógicas; encontramos contudo,  situações existenciais em termos de opções vivenciais que se referem acerca da categoria fundamental, o Individuo.
O Individuo, visto desta forma, é empurrado para fora de todo e qualquer sistema, pois ele mesmo, é o paradoxo. Nele reside a subjetividade, a interioridade; ele se apropria de maneira muito particular e pessoal, do mundo no qual vive e das relações nas quais está inserido. Nele conflitam eterno e temporal, liberdade e necessidade, razão e fé, pensamento e existência, realidade e verdade, e poderíamos citar aqui, outros tantos exemplos de paradoxalidade. Nenhum sistema teórico sensato o tentaria abarcar visto que o Individuo é ele mesmo, o paradoxo; e portanto, indissolúvel e irredutível a uma síntese.
No fim da minha comunicação, sou obrigado a dizer que Hegel tinha razão. Ele foi o ápice, o ponto culminante da filosofia. Com ele, termina um modo de fazer filosofia e começa outro. Agora, a razão não pode ser absoluta e nem o pensamento, sistemático. A razão é redimida sob uma nova forma. A razão tem limites e o pensamento para que tenha validade, tem de se aplicar à vida de cada Indivíduo. Não basta para o Individuo concreto, conhecer uma verdade objetiva e teórica que serve apenas para contemplação; é necessário que ele se aproprie duma verdade subjetiva que dê sentido a sua existência. É igualmente necessário que ele compreenda quão paradoxal é essa existência e que ele mesmo, está em constante tensão dialética. Puxado para o infinito e o finito, o eterno e o temporal, a necessidade e a liberdade, a fé e a razão, a generalidade e a individualidade. Tensões essas que nunca se aquietam e nem se resolvem.  

José Paulo C. F. Chadan


Nenhum comentário:

Postar um comentário